6 de dezembro de 2011

Geografia na poesia (poesia na geografia) de Herbert Vianna

Arte de Julian Beever

Em um de meus momentos de flâneur do ciberespaço *, deparei-me com um pedido inquietante feito por um estudante num fórum de discussões do Yahoo: “Por favor me ajudem nesse trabalho, da geografia na musica, expliquem essas musicas.?

A maior parte das almas benevolentes que quiseram colaborar com o trabalho do referido pesquisador chamaram atenção para uma das mais conhecidas canções de Herbert Vianna: Alagados. Nesta música, o compositor menciona lugares que disputam a atenção das duas principais polaridades do olhar humano: ilusão e des-ilusão

O olhar ilusionista tende a silenciar as inadequações entre o que se vê e o que se acredita ver: é vacinado contra a ironia. E como tal tende a ser vítima de esperanças falsas, descritas pelo poeta como “esperanças que vêm das antenas de TV”. E também vítima da fé cega: vive-se da fé sem se saber mais o que é viver. A esperança da ilusão é cômoda.
Arte de Kurt Wenner

Já a polaridade da des-ilusão tende a detectar a ironia das situações.  No caso da música Alagados, a ironia é que os paraísos representados por lugares como Salvador, Rio de Janeiro e Kingston (Jamaica) abrigam extremos da miséria: a miséria dos que despudoradamente têm “tudo” e daqueles que têm muito menos que o mínimo necessário.  A esperança da des-ilusão é incômoda. Nasce dos cacos da des-ilusão, com sua força de resignificar os ideais.

Seria precipitado julgar a ilusão ou a des-ilusão como algo necessariamente bom ou mau. O olhar é análogo a um ímã, cujos pólos são igualmente necessários para manter o equilíbrio da força magnética. Nenhum olhar seria capaz de ser o tempo todo suspeição e ironia (des-ilusão), nem ser o tempo inteiro a plenitude ingênua da ilusão. Mas afirmar isso não descarta a responsabilidade de posicionar-se eticamente com relação aos vícios e virtudes da ilusão e da des-ilusão. 

Iludir-se também é uma forma não deixar o que há de melhor no ser humano esvair-se no rio dos detalhes sórdidos. E des-iludir-se, por sua vez, é uma forma de não ser obrigado a engolir a seco certezas que se afastam da convicção e aproximam-se da opressão.

Além da geografia humana, a geografia física é um dos afluentes que deságua na poesia de Herbert Vianna. Esta poesia geográfica (geografia poética) é - na música Lição de Astronomia - associada a elementos da mística cristã, e expressa por um eu-lírico à beira do niilismo.

Na música Tendo a lua, a referência astronômica torna-se uma crítica à burocratização dos sonhos e ao desencantamento das utopias. As instituições militares são tomadas como metáfora deste processo: “Tendo a lua, aquela gravidade onde o homem flutua... Merecia a visita não de militares, mas de bailarinos e de você e eu”.  


*Não, flâneur não é a palavra francesa para designar “flanelinha”. Detalhes do significado aqui.

Lição de Astronomia - Herbert Vianna

Tendo a Lua -  Os Paralamas do Sucesso



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