Johannes Vermeer (1632 - 1675)Mistress and Maid, 1666-1667 |
Facebook: uma plataforma sem rosto, porque o rosto pressupõe
expressões faciais cambiantes: sujeitas à lei da Ação e Reação
Diferentemente do que ocorre com os retratos, que, por mais “naturais”
que sejam, tendem a reduzir a complexidade dos sentimentos a um resumo
ou fórmula expressiva:
As fotos são mitos porque cristalizam a imagem do ser humano
fora do ciclo do tempo e do espaço
Nas terras do Face e de outras redes sociais, as regras de
conduta na conversação (entenda-se regra não como decreto, mas sim como
princípio de orientação) passam por uma tremenda crise, muito embora, como é
sabido por quem bem o sabe, as crises são doloridas, mas também saborosas,
porque delas os afetos tiram matéria-prima para se reinventarem
De acordo com um pensador chamado Grice, a conversação é
regida por um conjunto de máximas ou preceitos. À medida que um ou mais
preceitos deixam de ser seguidos, torna-se mais difícil a compreensão entre os
conversadores
Certamente, existe na conversação uma força que nos impele a
propositalmente fugir dos preceitos conversacionais e, desta maneira, temperar
as conversas com poesia, romance, ironia e, por que não, uma pitadinha de
veneno (afinal de contas, somos filhos de Deus, n’est pas?). Porém, as redes
sociais, com sua hiperconectividade frouxa são um convite a
estranhas/inovadoras formas de compromisso. Bem, em vez de nos aprofundarmos na
teorização, partamos para exemplos práticos:
Máxima da Quantidade – Diz respeito à quantidade de
informação necessária para que a interação e a compreensão ocorram. Quando se viola este preceito, as pessoas
ficam confusas sem saber como agir e o que pensar.
As redes sociais trabalham com mensagens que circulam e, a
cada novo ciclo, voltam carregadas de significado. É o que acontece com os
memes, as hashtags e as demais mensagens. Por este motivo, uma pequena frase ou
imagem pode, erroneamente, ser interpretada como dotada de uma sobrecarga de
informação. Afinal, ninguém é obrigado ao acessar o Face a estar ciente do
valor agregado por frases, imagens ou vídeos. Por conta do processo de
acumulação cíclica de significado, as conversas tendem a ser trocadas por fórmulas
como a complexa equação: ‘’Beijinho no ombro”
Outra questão das redes sociais é a análise da carga informacional
dos silêncios. Como é sabido por quem bem o sabe, o silêncio nunca foi bicho
fácil de compreender. E agora piorou tudo porque, se repararmos bem, o silêncio,
nas redes sociais, tem o mesmo status que as expressões faciais possuem na
conversação cara a cara. A diferença é que, nas redes sociais, fica difícil
distinguir quando o silêncio está ligado ao bom e velho “quem cala consente” ou
significa outras coisas como indiferença piedosa, preguiça, dúvida ou carinho
reprimido
Talvez a maior inovação do Facebook seja a de ter inaugurado
um espaço onde as pessoas inventam maneiras de silenciar, deixando os outros
confusos e sem saber o que pensar. Sinal dos tempos? Qui peut dire?
Máxima da qualidade – diz respeito à qualidade das
informações elencadas para que a conversação se mantenha. Segundo Grice, as
informações precisam ser importantes, claras e verídicas.
Claro que seguir a risca o que prescreve Grice seria
proclamar a ditadura do tédio, pois não tem conversação que se sustente sem uma
dose de imprecisão, mistério e dúvida. Contudo, as redes sociais têm se mostrado
extremamente hábeis em fazer a conversação continuar com base em informações
pisadas e repisadas bem como em informações que são inverídicas, mas, mesmo
assim, apontam para um tipo de veracidade subliminar.
Na verdade, clareza e
veracidade são pesos que os integrantes das redes sociais não têm feito questão
de carregar. Isto não significa que as redes são lugar de mentiroso, mas sim
que as redes questionam os critérios clássicos da clareza e da veracidade. Mas
isto não acontece sem sofrimento, pois ao mesmo tempo que questionamos os
clássicos, deixamos que boa parte de nossas reações nas redes sejam governadas
pelos critérios clássicos de clareza e veracidade, o que gera muito ruído
comunicacional
Máxima da Relevância – os conversadores devem estar
sintonizados num mesmo tema. A mudança do tema da conversação deve ser aceita
por todos os que participam dela. Talvez
este seja o principal complicador da interação nas redes sociais, tendo em vista
que uma postagem do Face, por exemplo, pode suscitar cem comentários cada um
falando de um tema diferente. No final, quando a pessoa que postou o comment
vai ver, o que era pra ser um elogio ao novo filme de Angelina Jolie se
transforma numa discussão sobre os fundamentos éticos da mastectomia. Mas, c’est
la vie, mon ami!
Máxima do modo – trata diretamente do uso da linguagem, que
deve ser clara, concisa e ordenada, segundo Grice. O problema da clareza e da
concisão, nas redes sociais, é que elas são fruto de disputa com a clareza e a
concisão que os outros trazem para a conversação.
E os testes do Inmetro
revelam: clareza e concisão são como cu: cada um tem o seu. Mas, isso não
significa ausência de esperança para a interação humana. Tenho esperança que,
num futuro próximo, vão surgir botões no Facebook dizendo “Não compreendi” e “Me
explica melhor” ou ainda “Precisamos falar a sós” para tentar salvar a conversa
da cilada que uma suposta clareza, alimentada pelas ondas da fofoca
irrefletida, pode causar à conversação
A máxima do modo condena a enrolação, a obscuridade, a falta
de ordenamento na narração dos acontecimentos e a não brevidade (demora para se
ir direto ao ponto). Mas, como é sabido por quem bem o sabe a conversação não
foi feita simplesmente para irmos direto ao ponto, mas para transformarmos o
ponto em ponto-e-vírgula, em reticências, em interrogação, em exclamação. E, a
clareza não é atributo automático. Existe um tipo de clareza de segunda
instância que exige de nós a disposição para entrar de mansinho no mistério do
outro, ensaiando o gesto delicado de tirar-lhe os véus.
Daí, vem, como dirão os
gregos, a Aletheia (verdade), palavra que traduzida significa: “sem véus”. Em
todo caso, as máximas de Grice têm um preceito que as redes sociais não
conseguiram abalar: o de que a interação conversacional só existe onde há
reciprocidade, mesmo que esta reciprocidade seja silenciosa.
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