Cruz
Pensei se a cruz não seria
Um repositório de correspondências
devolvidas
Ou, talvez, de sonhos selados
Galopes que tentam inutilmente galgar o
impiedoso horizonte
A cruz, talvez, seja feita de madeira de
Lei,
Mas está de braços abertos, com seu
coração chagado
Chovendo sobre um rio de cartas às quais o
mundo endereçou o anonimato
A cruz é feita, certamente, de portas na
cara
Do rir que preferiu ser rir do outro do
que rir com o outro
Disseram-me que poderia colocar aos pés da
cruz tudo
Dores, odores, súpuras e até meus piores
crimes, como a bendita coca-cola
Minhas piadas sem graça, e as desgraçadas
também
Posso colocar até o que me foi roubado aos
pés da cruz
Para que ela tenha o que calçar quando, no
meio da noite,
Precisar se levantar para matar sua sede
de tropeços
E também minhas ironias de ronin
desengonçado
Minhas orações de cor de criança
Que nem sabia teu nome, mas já assobiava
tua consolação
Trago aos pés da cruz as linhas apagadas, cheias de dívida
E de dúvida se devo
Ou se espero me adaptar às expectativas sádicas da oposição
E choro quando vejo Teu lábio ferido por uma esponja embebida em
Maquiavel
Mas, a ressurreição me prova que existe quando te reencontro por
acaso no shopping Recife
E me pergunto quando a ressurreição fará desmoronar a cruz
E quando as pessoas perceberão que o único motivo de a cruz
permanecer de braços abertos
É que lhe falta um abraço apertado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário