Capa do mais recente disco de Françoise Hardy |
Em 1988, a cantora francesa, Françoise
Hardy, havia anunciado o final de sua carreira. Mas, como todo bom romântico,
ela tratou de convencer o apocalipse a mudar de ideia e deixar o fim para outro
lendemain qualquer. Desde então
gravou pelo menos quatro vezes, tendo seu disco mais recente, L’amour fou, sido lançado mês passado.
As músicas de Hardy resistem à tentação pós-moderna de colonizar
o único terreno que ainda resta livre das naus da racionalização: o terreno da
incerteza e da surpresa ou, em outras palavras, o terreno do coração.
De alguma forma, são canções que nos desafiam a nos
reacostumarmos com a dose de mistério e loucura necessária à manutenção da própria racionalidade. Não seria isto a poesia: um convite ao sincretismo entre a loucura e a racionalidade que nos habitam? Não seria o esforço de divorciar estes dois entes que os tornariam ilhas inóspitas e altamente perigosas?
Parecemos estar plenamente adaptados à
inconstância e à efemeridade, mas agimos como se todas as relações pudessem ser
um esquema onde fossem conhecidos todos os liames entre passado, presente e
futuro. O ciclo das mudanças gira cada vez mais rápido, mas somos imaturos em
lidar com o risco que é inerente aos relacionamentos. Em vez de fazer do risco
um momento de prazer suscitado pelo esforço conjunto de elaborar novas etapas
das relações, preferimos fazer do sintoma motivo para enterrar o doente antes
mesmo que ele morra.
Somos analfabetos no que se refere ao enfrentamento de
riscos. Por nos acharmos capazes de
aparar todas as arestas da incerteza, a frustração mínima se torna motivo de
deflagração do Apocalipse. Achamo-nos pés no chão, uma geração que, ao
contrário das anteriores, não é mais escrava da transcendência, tendo
descoberto enfim como usufruir a realidade, a concretude. Mas, o que há de mais
impalpável e transcendental do que o fetiche do “fim”, do que buscar num beijo
não a boca que se beija, mas todas as outras que porventura poderiam, talvez,
ser beijadas?
Existe um abismo entre o que buscamos e o que achamos no
outro. Novidade nenhuma... O que é novo, na mesmice que fere a poesia de
Françoise Hardy é a pergunta: “Como lidar com o desafio constante de amarmos
numa pessoa aquilo que não sabemos ao certo se é a pessoa?”
alvez o neorromantismo de Françoise Hardy procure um campo
para enfrentar este questionamento, que não sejam as miragens igualmente
transcendentais do eterno e do efêmero.
Pour quoi vou?
Françoise Hardy
J’ignore si ce que j'aime en vous
C'est vous
Mes idées deviennent floues
Je suis à bout
Pourquoi vous ?
Et ce vertige qui me prend tout à coup
Il me viendrait d’où ?
De moi ou
De vous ?
Je me sens vraiment en dessous de tout
Je ne tiens plus bien debout
Sans doute
Un coup
De grisou
Inutile de me mettre en joue
J'avoue
Comme un arrière-goût
D'amour fou
Tabou
N'essayez pas de m'arracher
La moindre bribe du moindre regret
Lever le voile pourrait gâcher
Tout ce qui nous lie de loin pour de près
Je ne viendrai jamais à bout
De flou
Qui brouille mes vœux sur vous
Mais si j’échoue
On s'en fout
Se peut-il qu'il y a l'un de nous
Qui joue
À tendre l'autre joue
Si c'est vous
J'absous
Vous resterez au grand jamais
Le plus brûlant de tous mes secrets
Nous resterons au grand jamais
Loin l'un de l'autre et pourtant tellement près
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