19 de janeiro de 2012

A poesia sacra também não escapou da epidemia do "politicamente correto"

Duccio di Buoninsegna
Descida ao Inferno
1308-11
Têmpera sobre madeira, 51 x 53,5 cm
Museo dell'Opera del Duomo, Siena



Nos últimos tempos, a doença do “politicamente correto” tem acometido até mesmo orações clássicas como a “Consagração a Nossa Senhora”.

Na versão original da Consagração, a parte final relata o pedido do fiel de que Nossa Senhora o guarde “como coisa e propriedade”. Esta imagem vem sendo substituída por “como filho e consagrado”.

Procura-se suavizar os termos coisa e propriedade, com base no senso comum que os associa ao utilitarismo capitalista. Mas este tipo de avaliação não leva em conta que a maior parte destas orações são do período pré-capitalista. E, fora isso, é negligenciado o aspecto metafórico que romantiza a expressão. Ser “coisa e propriedade” numa poesia que expressa amor não é o mesmo que ser “coisa e propriedade” num relatório de estocagem.

Anteriormente, outras orações foram afetadas por este preciosismo eufemista. Exemplo é a oração do Credo, na qual Cristo que, antes, descia “aos infernos” passa a descer “à mansão dos mortos”. Este tipo de mudança neutraliza a mística do poema e termina por descaracterizar o clima barroco e, em certa medida, fantástico, resultante da paradoxal presença de Cristo no Inferno.

O próprio Hino de Louvor, o “Glória a Deus nas Alturas” foi alterado. Antes, onde se lia “Glória a Deus nas Alturas e paz na Terra aos homens de boa-vontade”, passa a ler-se “Glória a Deus nas Alturas e paz na Terra aos homens por ele amados”. É uma mudança drástica, visto que se sabe que Deus ama todos os homens, mas que a paz na Terra está diretamente ligada à boa-vontade, que, digamos, não é das maiores especialidades humanas.

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