19 de novembro de 2011

O que fazer quando se chega atrasado a um incêndio? Reflexões sobre o filme Incendies

Lubna Azabal em cena do filme Incendies (produção franco-canadense: 2010)


Cheguei atrasado à sessão do filme Incendies (de Denis Villeneuve), exibido e debatido durante a I Semana de Encontros de Francês (Senfle) da Universidade Federal de Pernambuco.

Mas isso foi útil. Éramos o filme, minhas lacunas e eu, na busca pela coerência! Logo percebi que Incendies era daquele tipo de filme que se passa uma parte na tela e outra no:

Opção A: coração
Opção B: mente
Opção C: espírito
Opção D: coração-mente-espírito

Só não dá pra se ter como opção: "Nenhuma das alternativas acima"! Alguém poderia dizer: "Mas isto que você está dizendo acontece com todo tipo de filme!"

Não. Existem filmes que fingem falar ao coração enquanto falam somente à mente. São, parafraseando Rodrigo Carreiro, filmes extratores de lágrimas, os quais funcionam como uma espécie de Pavlov vestido com requintes de cruelarte.

Carreiro aproxima este tipo de filme do que conhecemos como melodrama, o gênero da emoção fácil. E, como destaca ele, o melodrama é necessário e, em certa medida inescapável. Mas, como se sabe, o melodrama em suas origens requer um certo analfabetismo da mente (da racionalidade) e uma intensificação do lado emocional para ter êxito. Não é à toa que o pipoco desse gênero coincide com a expansão da alfabetização na Europa (fins do século XVIII e início do XIX?), momento em que a gramática dos afetos tentava fugir, romanticamente, do impulso monopolizador da racionalidade iluminista .

Em sendo assim, o que acontece marcadamente em parte do cinema hollywoodiano, que fala à mente fingindo falar ao coração, seria de fato melodrama ou uma simulação deste gênero? Adotarei a estratégia daqueles que não acham resposta para as perguntas que inventam: seguir em frente!

Existem filmes que falam prioritariamente à mente - tipo os documentários. E há também os que falam ao espírito. Neste grupo, incluem-se os filmes que, de algum modo, remetem àquela experiência relatada pelas pessoas que tiveram experiência de quase-morte e descrevem como um dos sintomas o de ver diante delas o filme da própria vida. Contudo, eu é que não vou me arriscar a dizer que tipo de filme fala ao espírito. Trata-se de uma experiência íntima, intransferível e da qual só a poesia, em sua hermosa precariedade, pode se aproximar.

O que me chama atenção em Incendies é que esse filme me faz ficar indeciso com relação à lista de opções escrita acima. Isso faz com que uma cena que, na linearidade do melodrama, causaria "naturalmente" lágrimas, seja recepcionada por sentimentos indecisos. A emoção, assim como o filme, fica fraturada e a lágrima, prestes a cair, fica em suspense, atravancada por sentimentos paralelos como a aridez, o desencanto e a desesperança.

O filme nos lança de volta à atmosfera da tragédia grega, como observou Gustavo Táriba, mediador do cine-debate e professor da Aliança Francesa do Recife. E os personagens tentam fugir dessa atmosfera trágica com nobreza e valentia. Por meio da tentativa de acessar as raízes familiares, desafiam a força do destino que diz "É assim!" e deixam que sua jornada seja motivada pela pergunta: "Como poderia ter sido?".

Busca tola e previamente frustrada? Isso cabe a cada um que assiste ao filme responder. Mas outra hipótese que o filme nos permite formular é a de que quando não se pára de cavar diante da frustração e da camada superficial do "É impossível",  o terreno arqueológico da vida revela camadas profundas de surpreendente esperança, amor e fé. São as chamas que sobrevivem, teimosas e cativantes - aos incêndios da jornada humana:  "A morte nunca é o fim de tudo. Sobram traços".

Mas, chega de melodrama. E que Pavlov descanse em paz!

Confiram o blog da I Semana de Francês Língua Estrangeira (Senfle).

Confiram também uma boa resenha do filme Incendies.

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