Cindy Sherman - Untitled Film still #2, 1978 (Silver print, 8x10 inches) |
As aulas de Teoria da Literatura, na Universidade Federal de Pernambuco, têm me rendido altos dividendos. Lá, tenho dividido misérias gloriosas e gloriosas misérias pelos números mais complexos: o 1 (o enigma do si mesmo), o 2 (o enigma do outro) e o três (o enigma da decifração).
E, como quociente, tenho conseguido uma boa dose de indulgência, suficiente, ao menos, para inspirar algumas postagens deste blog.
E “ao menos”, no campo da poesia, equivale a “plenária” no que diz respeito à indulgência que, menos do que significar "poupança da misericórdia", significa confiança na reverberação do perdão.
E, quem escreve e tem esperança de ser lido e, até, admirado um pouco que seja muito, precisa perdoar-se e ser perdoado.
É que as ideias só saem da mente de quem escreve para o papel e deste para outras mentes quando recebem a absolvição de quem escreve e de quem lê. Certamente, porém, as pessoas continuam achando que a fogueira é um atalho para que as almas - e as ideias - cheguem à absolvição.
Numa das aulas de Teoria da Ficção, estudávamos, recentemente, os afastamentos e aproximações entre história e poesia, entre fato e ficção. Depois desta aula, comecei a pensar...
(E, realmente, pensar é, predominantemente, um “depois”, visto que o “durante” é voltado para o co–empreender: mais conhecido como compreender).
Depois de começar a pensar, dei-me conta de que a poesia relata fatos. Exemplo disso é o poema cujo um dos versos empresta título a esta postagem.
Neste poema, deparo-me com fatos inquestionáveis (???), alguns por sua evidência, outros por sua persistência, outros, como diria Olgária Matos, por sua vidência. Seguem, apenas alguns exemplos, antes que rareie a indulgência do leitor:
Fato 1: “Já disse pra olhar mais pra você. Mas olhar pra mim como? Se quando me vejo, logo me perco?”
Eis um fato evidente, persistente e vidente: sou capaz de me olhar, mas, ao me ver, saio de mim e acabo me perdendo. A fotógrafa Cindy Sherman não me deixa mentir.
Fato 2: “Mas se você não estiver pronto, o mundo não vai saber recebê-lo.”
Fato persistente: o mundo exige, recorrentemente, a prontidão. Ela, como evidência, não é fato, visto que mesmo quando morremos não ficamos prontos.A frase "Pronto, acabou-se" é uma ilusão necessária para continuarmos.
Se, na pior das hipóteses, pensarmos a morte como porta de entrada para o vazio, não temos garantia de que este vazio é pronto. Teorias da física quântica e áreas afins demonstram que o vácuo é menos vazio que intervalo tenso entre as pulsações de partículas subatômicas.
Portanto, a ideia de “se estar pronto” é fato, não por evidência, mas sim por persistência.
Fato 3: "A sensação que tenho, é de que falo somente para os astros e fantasmas que vivem comigo."
Fato evidente e vidente: Os mapas, o GPS, a filosofia. Todos são formas de ligar (ou religar) a vida terrena – particularizada – à vida cósmica – constelar.
E, como se sabe, o céu é o maior cemitério que há, visto que grande parte das estrelas já morreu. Contudo, numa outra perspectiva, o céu é prova viva da ressurreição, visto que as estrelas são mortas em suas coordenadas de origem, mas retornam à vida, na luz que projetam ao longo do sem fim do universo.
Na literatura, a poesia é o “equivalente” deste movimento das estrelas.
Na história, o diálogo com os antepassados é uma paráfrase de nosso diálogo com as estrelas.
Em todo estes casos, é fato vidente que nossa vida é cercada por fantasmas.
Fato 4: “A vida, meu caro, é dose única e letal.”
Fato evidente, vidente e persistente: ilusão!
Estes fatos foram retirados do poema Diálogo pertencente ao blog Coisas de Nuvens, do historiador-poeta Marcos Vidal.
Primo,
ResponderExcluirrealmente um primor a sua análise sobre esse poema em prosa escrito numa noite sem sono. Sinto-me lisonjeado com o olhar intelectual que lançou sobre o meu texto.
Amei!!
Abraços