Perseus: by VampireBait |
Começo esta postagem contrariando uma recomendação do filósofo e teórico da literatura Lourival Holanda: a de que o pesquisador deve evitar tornar-se refém do citacionismo, que, como bem explica ele, é um mal-estar cujo sintoma principal é pedir licença a referências bibliográficas para poder pensar.
Apesar de estar sujeita a desvirtuar-se em citacionismo, a citação tem seu valor. Ela é sempre um risco, a bem da verdade e da mentira. Mas também é capaz de salvar vidas. Que o diga Perseu...
Como se sabe, a estratégia deste guerreiro para destruir a medusa é simplesmente uma citação. Perseu acompanha o movimento da medusa, por meio do reflexo dela projetado em seu escudo. Ele, ao captar os movimentos do outro por meio do reflexo, está praticando a citação.
E, por mais que se louve e engrandeça a pessoa citada, o gesto de citar requer que o citado seja sacrificado: simbolicamente morto: ao menos em parte. Caso contrário, o destino do conhecimento seria transformar-se em pedra, isto é, paralisar-se.
A citação é como a cabeça da medusa incrustada no escudo de Perseu. Em parte está morta, mas ainda é capaz de suscitar o horror e a perplexidade que paralisam. A paralisia do conhecimento seria, assim, causada pela reapropriação vazia do texto citado: resultado da transformação do Apud em uma faceta do TOC (transtorno obsessivo compulsivo).
Cabem então ao que cita, inclusive o que cita a “si mesmo”, poucas opções: deixar-se petrificar (e, então, anular as duas opções seguintes); sacrificar o citado, salvando-se...
Uma terceira opção toma como exemplo um episódio pertencente aos arquivos secretos da mitologia, guardados a setenta vezes sete chaves pela NASA (Noite anterior ao Sempre Antes).
Sabe-se que depois de cumprir seu destino, Perseu pede ao deus Vulcano que crie um novo corpo para a cabeça da Medusa. E, assim se fez... E Perseu cegou-se a fim de poder olhar de frente aquela que amava e com a qual queria ficar.
Na verdade, Perseu mata a medusa e deixa o destino se cumprir para enganar os deuses. Mas, depois que o destino se cumpre, Perseu o descarta. Assim também faz a Medusa.
Do encontro entre os amantes que cumpriram seus destinos como forma de enganar os deuses, nascem o amor e a vontade.
Esta versão apócrifa do mito lembra que o gesto de citar é pressionado de um lado pelo destino e, de outro, pela vontade. E que citar é assumir o risco de ter um caso de amor com quem pode te destruir ou te salvar, dependendo do ponto de vista.
Mas, o insólito caso de amor entre Perseu e Medusa está longe de ser o fim de um filme de Hollywood, o que sugere algumas reflexões.
Quem cita – Perseu - se cega. Isto não significa necessariamente aceitar cegamente a opinião de quem é citado, mas sim silenciar a tendência de acharmos que nossa visão é plenamente capaz de dotar o mundo de sentido.
Quem é citado – Medusa - continua capaz de petrificar. Mas, o caso de amor inaugurado pela citação pode proporcionar uma alegria não antes experimentada pela Medusa: a de ter seu olhar devolvido. Tudo que Medusa queria, e o destino havia lhe negado na versão oficial do mito, é poder ver refletido em seus olhos a alteridade viva: com direito ao amplo contraditório.
Derivações deste caso de amor entre Perseu e Medusa – ou entre quem cita e quem é citado – poderão ser vistas no IV Seminário de Línguas e Literaturas Clássicas : O Arco e a Lira. O evento, promovido pelo Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ocorre de 9 a 11 de novembro no Centro de Artes e Comunicação.
Perseus and Medusa: by humon |
A temática este ano será Literatura Clássica e as Forças Renascentistas. A ideia é compreender como o imaginário clássico é citado – com requintes tanto de “crueldade” como de amor – na transição entre Feudalismo e Renascimento. Neste contexto, a citação da literatura clássica vivencia um diálogo tenso, porém rico, com os imaginários cristão e oriental.
As inscrições e submissão de comunicações podem ser feitas, gratuitamente, até o dia 31 de outubro de 2011. Mais detalhes no site do Seminário.
Na ocasião, serão oferecidos os mini-cursos Hebraico Bíblico, ministrado pelo professor Vicente Masip, e Memórias Arquetípicas e Filosóficas em Narrativas de Super-Herói, ministrado pelo pesquisador Cláudio Eufrausino. Ambos os ministrantes são da UFPE.
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