16 de agosto de 2011

Reflexões sobre o Supercon Parte III - Quando cosplayers se tornam exorcistas



Houve um tempo em que se vestir de super-herói era considerado um gesto de criança que, utilizando a corda do imaginário, ficaria pulando entre os níveis do sonho e da realidade. 

Porém, a vestimenta de super-herói pode ser mais bem reconhecida em seu parentesco nostálgico com a blindagem das armaduras medievais. Ainda hoje o kit Idade Média, constituído por malha, capa e elmo, é o protótipo do figurino super-heróico.

Desta blindagem são herdeiras formas inusitadas como o terno e a gravata, precursores da neutralidade, frieza e cálculo estampados pelo uniforme de Batman. Não é por acaso que o alterego deste personagem é um homem de negócios. E também não é por acaso que as descrições que Edgard Allan Poe faz dos homens de negócio os torna parentes próximos dos morcegos. Isso sem falar no uniforme de super-herói mais característico do séc. XIX: o bigode.

Os trajes de super-herói também têm por hábito encarnar o nacionalismo romantizado, a exemplo do que ocorre em personagens como a Mulher-Maravilha, o Super-Homem e o Capitão América. Embora, uma análise mais precisa revele que o nacionalismo é uma releitura da blindagem representada pela indumentária de batalha. 

Vestir-se de super-herói tem ganhado outros significados, plasticamente moldados pelo neologismo cosplay, referente não só ao gesto de se travestir de super-herói, mas à simulação de suas atitudes. Na verdade, o cosplayer participa de uma espécie de intercâmbio. Ele troca de lugar com o alterego do super-herói. Ou, em outros termos, convida o alterego super-heróico para passar um tempo em sua morada de ser humano comum.

Além da expressão do inconformismo com as fronteiras oficiais entre sonho e realidade e da nostalgia pelas blindagens medievais, novos significados do travestismo super-heróico ganham relevo. 

Um deles é o de satisfazer, pela via do imaginário, uma demanda recalcada pela vocação religiosa. Trata-se, contudo, de uma demanda simbólica. E, como tal, não se vê obrigada a se tornar factível.

Num mundo em que o efeito realidade tem sido associado à falta de perspectiva, regada pela contradição do crescente aumento da expectativa de vida, a identidade dos super-heróis torna-se um refúgio. Por mais angustiados que eles venham se tornando, são forçados a – tomando-se emprestado a expressão cunhada pelo filósofo Luiz Pondé - domar a agonia e entregar-se à vocação de salvar. Outro encanto do super-herói é fazer o sacrifício se converter em esperança, driblando  a tendência contemporânea de premiar o sacrifício com falta de oportunidades.

Outro elemento do super-herói que atrai os cosplayers é o efeito mistério.  Num mundo que rotula, estigmatiza e se esforça para predestinar as pessoas, o super-herói traz sempre a sedutora possibilidade do poder transformador e de refugiar-se na identidade secreta.

Como se observa em eventos a exemplo do Supercon, ocorrido em julho no Recife, cresce o número de cosplayers que buscam abrigo na identidade dos super-vilões. Mas, não se trata de fazer apologia ao mal. O que parece haver – e este é outro novo significado relacionado ao fenômeno cosplay – é a tendência de se travestir de algo que se deseja exorcizar. 

Neste sentido, busca-se uma identificação com vilões não para se “apropriar” do seu poder, mas sim para, por meio de uma incorporação teatral, exorcizar os fantasmas fascitas que povoam as almas individual e coletiva.


Um adereço invisível faz parte da fantasia dos cosplayers: o direito de ser estranho. Num ambiente cheio de cosplayers, o politicamente correto é exorcizado, ao menos no que diz respeito à moda. Durante três dias, as fantasias de super-herói revestem-se de uma nudez adâmica, retirando da moda o poder de propagar a centelha da culpa associada ao pecado original.

A seguir, mais fotos de cosplayers que compareceram ao Supercon 2011. As fotos são de Clécio Vidal.

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