27 de agosto de 2011

A origem de O Planeta dos Macacos - o elo perdido e sua contaminação pelo vírus do caráter humano


Cartaz do filme Planeta dos Macacos: a origem

 A ficção é um jogo no qual se tenta capturar a fronteira nômade do possível (a fronteira sedentária é a realidade). Nesse jogo, o terreno do impossível é inseminado pela possibilidade e regado por um pacto entre quem engana e quem se deixa enganar, posições correspondentes, respectivamente a do autor e do leitor (mesmo que, atualmente, estas posições se confundam).

No que se refere ao caso particular da ficção científica, houve sempre a sensação de ela estar associada à hipérbole. Ela retratava futuros possíveis, mas que, claramente, representavam um exagero da potência criativa da ciência.

A ação co-enzimática da hipérbole, com relação à ficção, tem sido inibida, transformando o futuro possível que a ficção científica retrata num futuro provável, assombrado pelo fantasma do inevitável.

Esta mudança do caráter da ficção científica é auxiliada pelos refinamentos tecnológicos, que tornam completamente palpável a noção de efeito-realidade trabalhada por Roland Barthes. 

Este preâmbulo é uma pálida tentativa de descrever, teoricamente, as sensações que tive ao assistir a Planeta dos Macacos: a origem. 

Não fosse o trailer, que me chamou atenção, teria ido ao cinema com o receio derivado de decepções anteriores com filmes como O Exorcista: origem e Hannibal. Mas acabei levando comigo, para a sala de cinema, uma esperança que foi premiada com a satisfação.   

O requinte da ficção científica, no novo filme da série O Planeta dos Macacos, está na exploração do gesto mais do que na invocação do fantástico no terreiro dos efeitos especiais.

São os gestos, olhares e expressões que conseguem fazer brotar, do embrulho no estômago de quem assiste, a sensação realista de ver na tela uma revolução comandada por representantes do elo perdido: porém, como se sabe, em O Planeta dos Macacos, a espécie primitiva a ser superada é o ser humano.

Angustia o sofrimento vivido pelo personagem principal, César, um macaco que tem sua inteligência amplificada ao herdar os efeitos de uma medicação que foi testada em sua mãe. Ele é um verdadeiro apátrida. Foi retirado dele o dom do pertencimento, visto que é humano demasiado macaco e macaco demasiado humano. Mas César busca uma forma particular de conseguir o pertencimento que os experimentos científicos lhe tomaram.

O mais inquietante é perceber que as emoções humanas, as boas como a empatia e o altruísmo, e as más como a crueldade e a ira, podem migrar para outras espécies, como uma doença transmitida por um vírus. E, se tais espécies conseguem providenciar formas mais "eficazes" de canalizar tais emoções, o jogo se inverte e nós é que passamos a assumir o status de animal propriamente dito. 

Neste sentido, o sobrenome “racional”, dado ao animal Homo sapiens, revela-se uma resultante da combinação favorável entre poder e oportunidade, e não uma evidência que escorre do livro da natureza.

Num tempo em que a ideia de progresso parece desacreditada pelo niilismo pós-moderno, Planeta dos Macacos: a origem trabalha o progresso como uma doença que volta do túmulo sem horizonte de cura.

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