22 de agosto de 2016

A mulher que fez o papel de Bertolt Brecht numa peça escrita por Galileu Galilei



Foto: Folha da Região


"Quem de nós não teve de negar o óbvio para seguir adiante?" Como boa discípula de Brecht (se é que isso é possível), Denise Fraga sabe que esta pergunta é ao mesmo tempo dela, do próprio Brecht e de Galileu Galilei a quem ela trouxe de volta à vida no palco do Teatro Santa Isabel entre os dias 18 e 21.

E assim como Galielu,  a mulher vem enfrentando tribunais de inquisição para mudar o retrato de um sistema petrificado onde a figura do macho insiste em continuar sendo o centro de um universo onde empiricamente homens e mulheres são estrelas que brilham em pé de equidade.

Como é sabido por quem bem o sabe, Galileu precisou renegar sua teoria para escapar de ser morto pela inquisição

E um tédio mortal está prestes a me fazer desistir de continuar a escrever esta postagem

Afinal, por que escrever se nada me garante que as pessoas vão enxergar o que quero que elas enxerguem?

O espetáculo consegue, durante mais de duas horas, reacender em quem assiste um dilema que nossa época-zap parece ter dado por encerrado: ouvir a voz da razão ou a voz da conveniência? Mas, logo esse questionamento percebe que precisa de outro mais profundo para não se resumir a um conflito de ego. O beco sem saída de Galileu parece apontar para o problema de como o conhecimento humano, mesmo aquele de ordem física ou matemática, envolve o questionamento da ética vigente

Em uma das cenas da peça, Galileu conversa com um padre dividido entre o amor a Deus, o amor à Igreja e a paixão voluptuosa pela ciência. O religioso indaga se a pesquisa científica não deveria se podar de revelar certas verdades que pusessem em risco o alento que a ilusão representa.

Galileu desejava que as pessoas julgassem o que acreditavam pelo que vissem e reinventou o telescópio para ampliar esse poder de visão. Mas, a encenação redireciona o telescópio de Galilei para dentro de nós onde nada é óbvio ou provável. Ganha ainda mais peso a angústia de optar entre crer no que faz sentido ou sucumbir ao alento das ilusões

Nesta perspectiva, a verdade impressa em nossos sentidos, nos prazeres palpáveis, teme vir à luz do dia ameaçada pela tranquilidade mesquinha do sentir-se seguro em meio a um cenário de valores escleróticos, mas detentores do passaporte de uma segurança com passagem só de volta para a conveniência, isto é, para o não sair do lugar.

Denise Fraga e os demais atores fazem brilhantemente o papel de Bertolt Brecht, mas merecem mais aplausos quando, sem perceber, fazem o papel de quem está assistindo. Os personagens acabam se tornando atores coadjuvantes e, por isso mesmo, roubam a cena, ou, melhor dizendo, a tomam de empréstimo.

Queria emprestado de Galileu o olhar que deu coragem ao telescópio de questionar o céu e te emprestar um pouco desse olhar para teres coragem de ressuscitar o copérnico sentimento que o índex da conveniência e do medo amarram no cansaço de teu coração

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