Fonte da Imagem: Mercado Livre |
Susan Sontag estava certa: mais temível do que a doença são
as metáforas a ela relacionadas.
O câncer, por exemplo, é menos amedrontador do que a
metáfora que tenta disfarçá-lo, chamando-o de C.A. assim como a Polícia é menos
assustadora do que a metáfora Caveirão.
Um olhar, um toque, um beijo, um chero, uma sonata não causam
medo. O que terrifica são os instrumentos de tortura e agrilhoamento que se
costuma relacionar aos cinco sentidos.
O olhar de amizade que parece virar uma porta aberta pela
qual se pode entrar e sair livremente. Esse sim causa medo. Tem-se medo da
porta aberta e não do olhar. E olha que a porta aberta, que nas antigas canções,
soava ternura, hoje parece soar tortura, tendo em vista que o senso comum
passou a considerar a “Porta Fechada” como sinônimo de normalidade e jogou fora
o cachorro com sorriso e tudo.
Ter o coração roubado ou flechado ou explodido parecia ser
uma metáfora sutil, banal mesmo, uma dessas de amor. Nos dias de hoje em dia, em
que o fantasma do Terrorismo perde sua consistência ectoplasmática e ganha
carne, ossos e massa cinzenta, as inocentes metáforas que abrem este parágrafo
passam a ser encaradas como sintomas mal quistos de colonização alheia.
Sintomas do medo crônico do “Depois”, numa época que, como
bem observa Walter Benjamim, trocou o amor à primeira vista pelo amor à última
vista.
Não se teme o depois por ele estar envolto com a sombra do
fim. Ao contrário: teme-se o depois, por ele trazer a insegurança do recomeçar,
o retorno à etapa mais complicada e menos exibível do edifício: a construção de
alicerces.
Não é ouvir, tocar, olhar, cheirar ou lamber, em sentido literal, que
assustam, mas sim suas metáforas ocultas, onde pulsa nossa mal resolvida época,
que não sabe como resolver o conflito de fronteiras entre escravidão,
compromisso e indiferença, sentimentos dos quais os cinco sentidos, e seus gritos de dependência, são
extensões.
O que se teme é que a tocha continue ardendo, com suas chamas que
lambem a orla do manto da eternidade. O que se teme é a responsabilidade de
conduzir a tocha até a mão do próximo corredor, antes que a bomba-relógio
exploda.
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