Fonte: GloboEsporte.com |
E sinto que acontece, com alguma frequência, de as pessoas tratarem os outros como bala perdida para poderem extraí-los sem misericórdia de suas vidas e não correrem o risco de ver desmoronar a ilusão de que são pessoas ilesas e a ilusão ainda mais ilusão de que vivem cercadas de pessoas ilesas. E, percebo, que este movimento de extrair outrem sem misericórdia de sua vida não é orquestrado na poesia, mas sim no diálogo fútil de bastidores, que colhe veredictos antes mesmo de plantar julgamentos. Os poemas são lindos, mas são lindas também as rimas pobres, hesitantes e quebradiças das conversas descompromissadas sobre o que nos aflige-alegra, conversas que, com seus cacos de raiva, mas também com a inteireza dos sorrisos, não nos deixam, graças a Deus, sair ilesos.
Lembrei que, ao chegar ao doutorado, apresentei-me como Clécio, nome que me acostumei a compartilhar, pois me remete ao acolhimento que experimento junto a meus familiares. Mas, quiseram trocar meu nome e me chamar de Cláudio porque supostamente havia passado pelo departamento de Letras uma pessoa chamada Clécio e que teria atitudes que não correspondiam às exigências poéticas do Departamento. Sei lá, essa foi a conversa abestalhada que partiu da amiga que trocou meu nome. Bem, desculpe o desabafo, mas sei que serei compreendido, porque no fundo não importa tanto a distorção do que é dito, o que é decisivo é a distorção dos corações que ouvem. Só preciso aprender a convencer a mim mesmo, para completar o pequeno desabafo, de que não cultivarei mais amizades com pessoas que rejeitam meu nome, pois, independentemente de que haja no mundo outros Clécios, ou Marias ou Josés, o que importa é o Clécio, a Maria e o José que o amigo é, pois suas lesões é que o tornam admirável e inigualável.
Interessa a viagem,
pouco importa o destino.
Gosto de me integrar,
digamos,
na intimidade dos outros.
Por vezes,
acontece,
não temos muita sorte
e extraem-nos sem misericórdia.
Amputam-nos.
Eu prefiro o aleatório.
Tenho o direito de querer
um coração que me aloje,
ou de me prolongar
na cabeça de alguém.
[Tenho uma amiga
que já fez um homem perder a cabeça.
Isso, porém,
não se faz
nem me satisfaz.
A minha técnica é mais subtil,
mas o intento é o mesmo:
quando entramos na intimidade de alguém,
ninguém pode sair ileso.
Se saírmos ilesos, foi inútil.
Eu, felizmente, tenho estrias.]
Quando morrer,
gostava de levar no corpo
o sabor de um estranho
a quem me dei em volúpia.
Gostava de levar
aquele suspiro das insónias,
o eco de um verso inacabado,
o sangue frio da paixão,
os sonhos de infância,
ou o andamento
lento
de
um
órgão
reservado
a requiems.
[Esta bala foi vítima de um homem perdido]
pouco importa o destino.
Gosto de me integrar,
digamos,
na intimidade dos outros.
Por vezes,
acontece,
não temos muita sorte
e extraem-nos sem misericórdia.
Amputam-nos.
Eu prefiro o aleatório.
Tenho o direito de querer
um coração que me aloje,
ou de me prolongar
na cabeça de alguém.
[Tenho uma amiga
que já fez um homem perder a cabeça.
Isso, porém,
não se faz
nem me satisfaz.
A minha técnica é mais subtil,
mas o intento é o mesmo:
quando entramos na intimidade de alguém,
ninguém pode sair ileso.
Se saírmos ilesos, foi inútil.
Eu, felizmente, tenho estrias.]
Quando morrer,
gostava de levar no corpo
o sabor de um estranho
a quem me dei em volúpia.
Gostava de levar
aquele suspiro das insónias,
o eco de um verso inacabado,
o sangue frio da paixão,
os sonhos de infância,
ou o andamento
lento
de
um
órgão
reservado
a requiems.
[Esta bala foi vítima de um homem perdido]
- Vítor Sousa
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