31 de março de 2014

Impressões sobre a poesia de Vitor Sousa

Fonte: GloboEsporte.com


E sinto que acontece, com alguma frequência, de as pessoas tratarem os outros como bala perdida para poderem extraí-los sem misericórdia de suas vidas e não correrem o risco de ver desmoronar a ilusão de que são pessoas ilesas e a ilusão ainda mais ilusão de que vivem cercadas de pessoas ilesas. E, percebo, que este movimento de extrair outrem sem misericórdia de sua vida não é orquestrado na poesia, mas sim no diálogo fútil de bastidores, que colhe veredictos antes mesmo de plantar julgamentos. Os poemas são lindos, mas são lindas também as rimas pobres, hesitantes e quebradiças das conversas descompromissadas sobre o que nos aflige-alegra, conversas que, com seus cacos de raiva, mas também com a inteireza dos sorrisos, não nos deixam, graças a Deus, sair ilesos.

Lembrei que, ao chegar ao doutorado, apresentei-me como Clécio, nome que me acostumei a compartilhar, pois me remete ao acolhimento que experimento junto a meus familiares. Mas, quiseram trocar meu nome e me chamar de Cláudio porque supostamente havia passado pelo departamento de Letras uma pessoa chamada Clécio e que teria atitudes que não correspondiam às exigências poéticas do Departamento. Sei lá, essa foi a conversa abestalhada que partiu da amiga que trocou meu nome. Bem, desculpe o desabafo, mas sei que serei compreendido, porque no fundo não importa tanto a distorção do que é dito, o que é decisivo é a distorção dos corações que ouvem. Só preciso  aprender a convencer a mim mesmo, para completar o pequeno desabafo, de que não cultivarei mais amizades com pessoas que rejeitam meu nome, pois, independentemente de que haja no mundo outros Clécios, ou Marias ou Josés, o que importa é o Clécio, a Maria e o José que o amigo é, pois suas lesões é que o tornam admirável e inigualável.



Interessa a viagem, 
pouco importa o destino. 
Gosto de me integrar, 
digamos, 
na intimidade dos outros.
Por vezes, 
acontece,
não temos muita sorte 
e extraem-nos sem misericórdia. 

Amputam-nos. 

Eu prefiro o aleatório. 
Tenho o direito de querer 
um coração que me aloje,
ou de me prolongar
na cabeça de alguém. 

[Tenho uma amiga 
que já fez um homem perder a cabeça. 
Isso, porém, 
não se faz 
nem me satisfaz. 
A minha técnica é mais subtil, 
mas o intento é o mesmo: 
quando entramos na intimidade de alguém, 
ninguém pode sair ileso. 
Se saírmos ilesos, foi inútil. 
Eu, felizmente, tenho estrias.]

Quando morrer, 
gostava de levar no corpo
o sabor de um estranho
a quem me dei em volúpia. 
Gostava de levar
aquele suspiro das insónias,
o eco de um verso inacabado,
o sangue frio da paixão,
os sonhos de infância,
ou o andamento 
lento 
de 
um
órgão 
reservado
a requiems.

[Esta bala foi vítima de um homem perdido]
- Vítor Sousa

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