4 de março de 2012

Ferido mortalmente por sir Lancelot e por um Australopithecus

Fenearte 2011


Marcel Frey é um poeta alemão nascido no início da década de 1980. Ele não tem, no campo da poesia, a mesma notoriedade que possui como designer gráfico. Impressionam, na poesia deste ilustre desconhecido, as referências ao universo poético brasileiro e sua refinada ironia no que diz respeito ao conflito entre ciência e religiosidade. A seguir, um de seus poemas, traduzido para o português de Portugal.


Lancelot

Na vida atual, nasci sem acreditar em reencarnação
E noutra d’antes vivi tant’inferno
Que não sobrou crença para o diabo
D’homem tão dividido que fui,
Como ter alma o bastante
Para reencarnar ou ressuscitar?
Meu corpo foi mutilado
Pela guerra, por Lancelot, por Caim
E por um Australopithecus filho da mãe dele
E, nessa vida, vivo
A me esconder dos sustenidos que
Povoam o fio da lâmina de Jack, o estripador
Resultado: nem ateu de ser seria capaz
Pois como ser ateu sem o ser de corpo e alma?
No meu chacra frontal, mora Voltaire: de aluguel
No meu terceiro olho, mora Cruz e Souza: de favor
Na minha mão esquerda, mora Platão, desde
Que foi expulso de uma república de jovens
Resultado: tenho duas mãos direitas!
Na ponta de minha pena, mora Graciliano:
E cobra caro para morar de favor
E, no meu tinteiro, vivem Cecília, Clarisse, Coralina,
Todas aos cuidados de Hipárquia
É o tinteiro que salva o que escrevo
E que aduba minhas palavras colhidas em Luxemburgo
Entre minha cabeça e o tinteiro,
Há um escorrego onde brincam
Almas de poetas ancestrais
E par’onde poetas do futuro
Insistem a subir em contrafluxo.

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