27 de setembro de 2011

Série Tarsila e Freddie Mercury - Capítulo 4 - Tarsila e Freddie Mercury: amigos da antropofagia



De acordo com os critérios da cronologia linear, Freddie Mercury e Tarsila do Amaral são ilustres desconhecidos. Mas, na esfera em que o tempo se despe das camisas-de-força do antes, do agora e do depois, os espelhos desses dois artistas denunciam misteriosos elos entre eles. 

Um destes elos é a vinculação ao universo artístico das imagens.

Freddie Mercury formou-se, na Inglaterra, em design gráfico e artístico. Considerado um aluno exemplar, foi responsável pelo projeto do símbolo da banda Queen. Torna-se cantor mais tarde, aos 24 anos.

Tarsila iniciou sua formação em pintura já na idade adulta, por volta dos trinta anos, sendo influenciada mais marcadamente pelo movimento cubista.

Tarsila e Freddie são, em certa medida, “traduções” da cultura periférica. A primeira, uma tradução marcada pela fusão entre o imaginário europeu e o brasileiro, pautada pelo ideal da antropogagia. O segundo traduz a si mesmo por uma espécie de silenciamento das origens: desta forma, Farrokh Bulsara, ao deixar sua terra natal, a ilha africana de Zanzibar, assume a identidade de Freddie Mercury. 

O movimento de silenciamento da origem se desenrola até o fim da vida de Freddie Mercury, sendo expresso por sua escolha de ter suas cinzas jogadas às margens do lago Genebra, na Suiça que, em termos simbólicos, é, praticamente, a antítese da África.

Tarsila foi europeizada na infância, tendo feito parte de seu enxoval uma formação aos moldes da cultura francesa. Com o passar do tempo, ela procurou "silenciar" a Europa e dar mais volume ao Brasil.

Tarsila buscou deglutir a Europa, convertendo-a em Brasil. Freddie Mercury "silenciou" a África, convertendo-a em Inglaterra. Mas, não sei se consciente ou inconscientemente, o cantor acabou dando voz a um lugar simbólico que já não era mais nem África nem Inglaterra: da fusão entre rock e clássico; entre o bigode macho-man e o collant de bailarina. 

No símbolo da banda Queen, mora essa ambiguidade. Basta se observar que no referido brasão convivem harmoniosamente leões ferozes e lânguidas fadas. Neste exemplo, não se deixa de escutar o eco da androginia presente em cultos africanos.

E Tarsila do Amaral também gesta um lugar simbólico entre a tradição brasileira e a vanguarda europeia. Embora, no caso dela, este lugar seja não do silenciamento, mas sim da polifonia.

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