2 de fevereiro de 2019

Sobre a maioridade civil do Aikido e a queda que aprendeu a ser rio de águas vivas

Foto: dojo Thiago Santana - Aracaju - Sergipe


Nessa brincadeirinha, vai fazer 21 anos que pratico Aikido. Houve uma interrupção de oito anos nessa jornada, mas o Aikido continuou presente, maroto e sorrateiro como só ele sabe ser. Acho que só o espírito do Aikido pra domar o meu subconsciente a ponto de me fazer aprender a nadar aos 23 anos, logo eu uma pessoa que tinha pânico ao ser coberta pela água... 

Aikido me ensina a cada dia como cair fazendo das quedas uma metáfora do mundo que gira e torna a vida possível nas diferentes faces de seu esplendor, o que inclui os desertos (os quentes e os de gelo) e as miragens. 

Meus ukemis (nome dado às quedas no dicionário aikidoísta) avançaram bem e hoje sou capaz de não me sentir como um bom uke (pessoa que recebe a técnica, convertendo-a em movimento e mantendo a circularidade do esquema cooperativo do Aikido), não porque seja melhor do que outros ukes ou igual ao melhor uke. Sou um bom uke porque, no balanço energético geral, prevalece a potência ansiosa por ajudar o movimento dos meus parceiros a resplandecer. 

Certamente, ao recepcionar a técnica dos outros aikidocas, minhas articulações já se comportaram como represas, contendo o fluxo energético. Já, em outros momentos, o tônus muscular se converteu em debilidade, atrapalhando a continuidade do movimento do outro. Contudo, o espelho me diz que estes percalços não impediram que os rios da minha alma caminhassem a pé enxuto no solo da sinceridade. 

Tenho sobrevivido a intrigas palacianas e fiz amigos-irmãos no Aikido que atua em mim fortemente mesmo fora do tatame, ajudando-me a desviar de situações difíceis em diferentes esferas do convívio social. Desviar é o princípio primeiro do Aikido; não o desvio de quem foge, mas de quem estuda o tempo e o espaço, procurando tirar deles lições de vida que se traduzam em água, vento, fogo, terra, coração e por que não na união de tudo isso, representada pelo Capitão Planeta? 

A circularidade do Aikido anula inclusive o efeito de feitiços, pois faz a energia circular até que o seu efeito destrutivo se converta em harmonia. 

Perfeição não consigo ver no Aikido porque acredito que esta arte não se propõe atingir a perfeição, pelo menos não a perfeição tacanha da corrida armamentista ou aquela medida por indicadores econômicos da escola marginalista (teoria da margem de lucro). 

Talvez a perfeição, nas cláusulas do contrato aikidoísta, tenha a ver com não precisar se desclassificar ou desclassificar o outro. Afinal, a pedra que é furada pelas águas não é uma derrotada, mas sim matéria prima para a formação do solo. 

Cair pode significar se tornar terreno fértil para o crescimento (o próprio e o de outrem). Tentar não esquecer isso é o que faz a conquista da faixa preta não se tornar um convite para o tarja preta. 

Amadurecer e seguir acreditando que cair e fazer cair podem ser caminhos para gerar alongamento, flexibilidade, autoconhecimento, disciplina. Este é o maior prêmio que o aikido, que anda nu dentro da minha poesia, pode me conceder. 

Eu vibro com as minhas quedas e as dos outros; quedas que significam não a ruína, mas sim dom de manter a vida em movimento e o mais longe possível das intrigas palacianas.

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