24 de dezembro de 2016

Mensagem de Natal de Santa Bárbara e São Januário a Vladimir Putin e Donald Trump





(Des)prezados,

Sou Bárbara, chamada de Iansã pelos cultos iorubanos. Vivi no século III, na Nicomédia, onde hoje fica İzmit, cidade turca próxima à divisa entre Instambul e Ancara.

Fui martirizada por me recusar a renegar a fé cristã.

Contudo, escrevo não para tratar de questões religiosas, mas sim pela necessidade de rememorar como forma de manter acesa a chama da razão ameaçada pelos fantasmas que saem dos abismos da mente humana para lhe roubar o oxigênio.

Meu pai foi obrigado a me matar, pouco antes da execução da pena à qual fora condenada, que seria a decapitação (por isso sou retratada segurando uma espada. É costume cristão retratar os mártires apresentando pistas do seu martírio.). Se não houvesse feito isso, meu pai teria de assistir à filha ser estuprada por soldados romanos.

Dezoito séculos depois, as mulheres do Oriente continuam conhecendo o terror vivido por mim, como exemplifica Alepo, onde elas se suicidam para não serem estupradas em meio à guerra civil.

Sou Januário, da Itália,  e também fui martirizado, no século III, por resistir à perseguição romana. 

Sangue meu foi guardado num receptáculo e, segundo a tradição católica, liquefaz-se três vezes por ano. Quando isso não acontece, é prenúncio de grandes catástrofes, a exemplo da peste negra no século XVI e da Segunda Guerra, em 1939.

No último dia 16, meu sangue, contido na relíquia, não se liquefez.

Eu, no Oriente.  e eu, no Ocidente. Ambos vítimas do poder que tenta colonizar o espírito, ignorando as fronteiras da dignidade humana. 

A violência e a guerra são o estertor desse esforço brutal de colonizar o incolonizável.

O momento atual conhece refugiados que batem à porta do Ocidente e os refugiados que começam a sentir necessidade de se trancar nas celas em que o pânico está tentando transformar os países europeus...

Refugiados que fogem para fora e aqueles que fogem para dentro... E as redes sociais fingindo o milagre da multiplicação de peixes no deserto.

Há pelo menos 500 anos, como lembra Renato Janini Ribeiro, a imagem do Oriente vem sendo demonizada pelos países ocidentais. Isso sem falar nas intervenções que reconfiguram fronteiras e realocam etnias, gerando conflitos que, neste momento, valem-se do terrorismo para reivindicar direito de voz aos fantasmas.

O fanatismo dos extremistas orientais tenta se vingar desses séculos de publicidade negativa imposto pelo Ocidente, empregando o Terrorismo como "direito" de resposta . E o Ocidente insiste em combater o Terror dando continuidade à propaganda de deturpação da imagem do Oriente.

Se amor com amor se paga, terror com terror não se apaga. Enquanto o Ocidente achar que suas vítimas são mártires e que as vítimas do Oriente são estatísticas, esse circuito vicioso e maldito não terá fim.

Eu, Bárbara e eu, Januário, ambos continuamos sendo martirizados pelo poder que ignora a individualidade e a dignidade em nome dessa oposição mesquinha e miserável entre Ocidente e Oriente, replicando a falida divisão forjada pela Antiguidade Clássica entre Cultos e Bárbaros.


Enquanto o espelho do Ocidente não dignificar os habitantes do Oriente, o fantasma da guerra não achará descanso para seus ossos patifes.

Feliz Natal!


Pátria Celeste, 24-12-2016

Bárbara de Nicomédia e Januário de Benevento




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