To the Safe Haven - Vladimir Kush |
Queria acreditar com tamanha convicção no potencial revolucionário da grande massa. Mas sempre acabo por achar que a individualidade e a reflexão se diluem nas massas. Além disso, as manifestações que reúnem muitos indivíduos são afetadas pelo efeito-linchamento. Não me refiro especificamente ao caráter violento, mas ao fato de pessoas sem causa alguma serem magneticamente atraídas pela multidão, unindo-se para extravasar impulsos primários e irrefletidos. Algo como a reflexão de Epicuro sobre o apelo mimético que o rebanho exerce sobre as ovelhas.
Fico me perguntando se a paixão que tem reunido os manifestantes pró-democracia no Oriente próximo não ofusca o desejo pela própria democracia. Nesse sentido, a vitória destas manifestações não acabaria se resumindo a trocar um governo ditatorial por outro?
Não quero dizer com isso que sou contra manifestações coletivas. Mas, acho que quando o impulso de manifestação não possui um plano claro, um projeto que expresse em termos práticos a alternativa governamental almejada... Nesse caso, não é difícil a utopia se corromper em distopia.
Concordo com Raphael Tenório quando diz que o olhar de uma criança é suficiente para definir o que é um político capacitado. E acho, por isso mesmo, problemática a formação de uma revolta de massa no Brasil. Falta a este país um olhar de criança. No discurso, as pessoas sabem o que é o agir político capaz, pautado pela integridade e pelo amor ao próximo. Porém, as atitudes destilam cinicamente o jeitinho brasileiro e reforçam um pacto não declarado que diz "Vamos continuar agindo corruptamente e fingindo que nada está acontecendo".
Como os brasileiros podem iniciar uma revolução em nome da ética e da integridade se acham que estas palavras devem ser obrigação somente para "os outros"? Contudo, esta crítica não deve ser encarada como um gesto de destruir numa tacada só o joio e o trigo. Pois, em nosso País, prepondera o trigo, muita matéria humana de extrema qualidade e valor, principalmente no que se refere à ética. Se não fosse assim, levando-se em conta a tamanha desigualdade a rua não seria um lugar seguro nem dentro de nossas casas.
Não tenho uma solução a apontar para a apatia com relação à mudança, mas fico com a velha fórmula hegeliana da razão. Enquanto ideia e coração não andam de mãos dadas, a razão não prevalece. Acrescento a este adágio a atitude. Enquanto a utopia dos brasileiros pertencer somente ao discurso e não se converter em coração e atitude, as manifestações coletivas serão somente uma apatia regada a adrenalina.
Querer um Brasil diferente passa pela análise das aberrações que ameaçam nossas utopias. Isto implica reconhecer que o jogo político abre mão da ética em favor da conveniência. A questão está, então, em incluir nos projetos e utopias medidas de prevenção contra este vício inerente à concretização da política.
A manifestação e a derrubada de um determinado estado de coisas é só o primeiro degrau para o altar do sacrifício. A efetivação da utopia requer o sacrifício da conveniência: expresso em mente, coração e atitudes. E nisto a conquista revolucionária está longe de ter o glamour da Liberdade de Delacroix. Contrariamente, tem um sabor amargo e se parece mais com uma pintura surrealista, alertando para o constante perigo de nos rendermos quer seja a embriaguez do sonho, quer seja à tirania da realidade.
A pintura To the Safe Haven, de Vladimir Kush, chama atenção para uma forma de conceber a utopia. A utopia não é um lugar sem tempestades pelo qual anseia nossa alma imersa na herança de Demócrito. É a luz que guia o navegante ao mesmo tempo que o insere na tempestade.
Esta postagem é uma resposta ao texto Brasileiros, mais um esforço se quiserdes ser livres, publicado por Raphael Tenório no blog Um ano existencialóide.
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