17 de novembro de 2010

Como diz meu pai, os códigos binários têm coração!

First Dance - Por Carolina Pires

Como diz meu amigo Felipe, é mais fácil domar um touro do que botar colírio nos olhos de uma criança com menos de 3 anos

Comecei esse post, depois de visitar o Facebook. Lá, vi lindas fotos de meu amigo Felipe Marques e sua família. Surpresa minha: ele já tem um filhinho com mais de um ano. Numa das fotos, li o comentário da fotógrafa Carolina Pires, que, assim como Felipe, fez comigo o fatídico curso de jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Antes de adicionar Carolina no Face, visitei dois de seus sites. Como todos sabem, as imagens demoram mais para carregar na Internet do que o texto. Em sendo assim, a primeira coisa que apareceu no blog de Carolina Pires foi a frase: “E como diria Fernando Sabino, no fim tudo vai dar certo”. E não é que, à medida que as fotos apareciam, eram como um desdobramento secreto do sonho e do otimismo da poesia de Fernando Sabino!

Daí a ideia, não de um gênio, mas de um sonhador Aladim: vou fazer um post falando sobre Fernando Sabino: o que não deixará de ser um post falando sobre Carolina Pires: sobre Felipe Marques e família: e também sobre Juliana Holanda, minha querida amiga, que me deu de presente meu primeiro contato com a obra de Fernando Sabino.

Juliana acaba de lançar um livro sobre os desafios do jornalismo científico e ambiental, publicado pela editora alemã LAP, a partir de suas pesquisas de mestrado na City University (Londres). Em "The challenges of scientific and environmental journalism", ela constrói sua reflexão com base em entrevistas com especialistas da área que trabalham como editores de publicações como o Financial Times, The Guardian, The Independent e The Sunday Times.

Fui, então, buscar matéria-prima para esta postagem. E achei  “As melhores crônicas de Fernando Sabino”, guardado dentro da embalagem de presente (não gosto de jogá-las fora), numa estante em meu quarto. Arrodeando, um cheiro de saudade e de esperança - disfarçado de caixa de sabonete de erva doce, que havia ganho de uma pessoa junto a quem havia feito uma oração- compunha a aura do livro.

Dizem que a Internet não tem alma. Que é só dados, só eletricidade, que é só. Mas isto não deve ser toda a verdade, pois, em dez minutos tive saudade, esperança e encantamento, numa rápida visita às memórias de apenas três de meus amigos do Facebook.

Este deve ser um dos desafios da ciência e, portanto, do jornalismo científico: salvar a humanidade selada no cofre da objetividade científica. O jornalista de ciência cativa as pessoas na medida em que expõe as contradições e possibilidades do diálogo entre as duas vidas que habitam a Terra: a vida-matéria (vida-evidência) e a vida-propósito (vida-vidência).

Refiro-me ao coração que pulsa, cheio de analogia, conflito e espírito nos códigos binários, nos diagramas e nas estatísticas. É o cheiro de saudade, de erva-doce, de amizade. Ou, como diria um repórter do Líbano que vi ser entrevistado no Roda Viva: "olho as montanhas banhando-se no horizonte e não consigo pensar nelas como mero aglomerado de moléculas. Isso me faz acreditar em Deus".

Acho que muita ou pouca gente que ler esse texto vai me acusar de tolice. Mas, deixar-me levar pela poesia é um crime pelo qual desejo ser condenado por unanimidade e cuja pena exijo que nunca prescreva.

O cheiro de saudade-natureza, de simplicidade calçada em elegância e refletida em perspicácia. Isso é um pouco da conexão improvável, mas merecida entre a poesia de Fernando Sabino, a fotografia de Carolina Pires, o recente livro de Juliana Holanda e a alegria de meu amigo Felipe e sua família.


Alguns trechos de “Como Dizia Meu Pai”, de Fernando Sabino:


JÁ SE TORNOU HÁBITO MEU, em meio a uma conversa, preceder algum comentário por uma introdução:

— Como dizia meu pai...

Nem sempre me reporto a algo que ele realmente dizia, sendo apenas uma maneira coloquial de dar ênfase a alguma opinião.

De uns tempos para cá, porém, comecei a perceber que a opinião, sem ser de caso pensado, parece de fato corresponder a alguma coisa que Seu Domingos costumava dizer. Isso significará talvez — Deus queira — insensivelmente vou me tornando com o correr dos anos cada vez mais parecido com ele. Ou, pelo menos, me identificando com a herança espiritual que dele recebi.

Não raro me surpreendo, antes de agir, tentando descobrir como ele agiria em semelhantes circunstâncias, repetindo uma atitude sua, até mesmo esboçando um gesto seu. Ao formular uma idéia, percebo que estou concebendo, para nortear meu pensamento, um princípio que se não foi enunciado por ele, só pode ter sido inspirado por sua presença dentro de mim.

— No fim tudo dá certo...

Ainda ontem eu tranqüilizava um de meus filhos com esta frase, sem reparar que repetia literalmente o que ele costumava dizer, sempre concluindo com olhar travesso:

— Se não deu certo, é porque ainda não chegou no fim.

(...)

[Meu pai] Tinha por hábito emitir um pequeno sopro de assovio, que tanto podia ser indício de paz de espírito como do esforço para controlar a perturbação diante de algum aborrecimento.

— As coisas são como são e não como deviam ser. Ou como gostaríamos que fossem.

Este pronunciamento se fazia ouvir em geral quando diante de uma fatalidade a que não se poderia fugir. Queria dizer que devemos nos conformar com o fato de nossa vontade não poder prevalecer sobre a vontade de Deus - embora jamais fosse assim eloqüente em suas conclusões. Estas quase sempre eram, mesmo, eivadas de certo ceticismo preventivo ante as esperanças vãs:

— O que não tem solução, solucionado está.

E tudo que acontece é bom — talvez não chegasse ao cúmulo do otimismo de afirmar isso, como seu filho Gerson, mas não vacilava em sustentar que toda mudança é para melhor: se mudou, é porque não estava dando certo. E se quiser que mude, não podendo fazer nada para isso, espere, que mudará por si.
(...)

O texto acima foi publicado originalmente no livro "A Volta por Cima" e extraído de "Fernando Sabino - Obra Reunida, Vol. III", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1996, pág.611.


O conteúdo entre colchetes é acréscimo meu a fim de preservar a coerência textual.


Autora da foto: Carolina Pires - www.carolinapires.com.br

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