Em algum de seus escritos, o filósofo Hegel descreve a
liberdade como o polo solitário que a razão tenta alcançar com seus braços. A
liberdade nunca é plenamente experimentada e, como lembra Peter Sloterdijk, experimentar
a plenitude da liberdade seria desfilar iludido, preso na gaiola de vento da conveniência redentora.
A liberdade de expressão tem se mostrado liberdade blindada
por certa dose da onipotência, seja ela a onipotência dos ominipotentes proprietários do status quo ou a onipotência dos impotentes. Sim, porque as minorias
têm podido usufruir de cotas de onipotência ancoradas em seu grito de lamento.
E, talvez, o medo (o jovem mais velho sobre a face da terra) da
onipotência impotente, esta invenção do século XXI, seja o que vem causando
reações que fazem a contemporaneidade abrir brechas no tempo-espaço
por onde escorrem repetições trágicas e farsantes de impulsos genocidas que os
iluministas sonharam ter destruído pela força da razão. Mas, a guerra provou
que o ideal das luzes podia ser tingido de sangue e que o Humanismo, por mais
boas intenções que tivesse, era capaz de se converter em seu extremo oposto.
Diferentemente da Bíblia, a história tem provado que o
Apocalipse não é um fim absoluto, mas sim um fenômeno cíclico e os terrores
apocalípticos não se anunciam por meio de trombetas ou do romper de selos:
chegam silenciosamente.
Charlie tem direito a dizer tudo o que deseja, mas tantos eu-te-amos têm permanecido calados com receio de ser condenados a um fuzilamento cujo
paredão é a solidão existencial e, as balas: antigas promessas corroídas pelo
preconceito.
Poderá a manchete da Charlie ser “Shopping premia o melhor
selfie de Rolezinho em 2014”? Ou “Heterossexuais e Homossexuais podem se
paquerar livremente sem ser postos em quarentena”? Ou, talvez, “Minha Casa
Minha Vida oferece vagas no Condomínio Pequena Estela”?
A Liberdade tem o dom de mobilizar a razão, mas também é
empurrada para o exílio pelos ventos da desrazão. E nossa época ainda não
percebeu que a desrazão é como um sistema de vasos comunicantes no qual a
violência em grande escala está diretamente ligada a violência de “pequenos
gestos”.
O lema “Eu sou Charlie” aponta para a necessidade de observarmos quando a liberdade de expressão corre o risco de se igualar á pura e simples conveniência, um espasmo que, ao sabor das ondas do mar morto da hipocrisia, crucifica o Islã e silencia
o Terrorismo cotidiano que atenta contra os direitos fundamentais de
sobreviver, ter acesso ao conhecimento e andar de mãos dadas em público,
independentemente de cor, credo ou orientação sexual.
Fórmula da conveniência: "Defendo até o fim o direito de dizeres o que quiseres, desde que eu concorde"
Onde buscará refúgio nosso tempo quando se libertar do jugo
ancestral da onipotência: seja ela expressa por meio da dominação dos grandes
ou do poderio dos pequenos? Fico devendo a Bob Dylan a resposta à sua pergunta
sobre quantas bombas precisam explodir ainda antes que se fechem as cortinas do absurdo
teatro da onipotência.
PS.: O Ebola não
precisa se espalhar porque as pessoas já têm se deixado tornar reféns da
doença ao transformar tudo que foge do seu horizonte de aceitabilidade em vírus
a ser combatido pelo remédio da intolerância.
افتقد حبي ، G. أندريه !
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