Hum é um livro, literalmente, feito de pedra, ou, melhor dizendo, feito à pedra
Pelo escritor e artista gráfico Samir Mesquita.
Não dá pra expor os detalhes do processo de feitura do livro
Porque a sua materialidade é um dos personagens e revelá-la
Seria dar um imperdoável Spoiler.
Ao ingressar nas páginas de Hum, o leitor é convidado
A experimentar como é viver na menor cidade do mundo:
Uma cidade que, por sinal, existe de verdade e está localizada na Croácia.
Quando o livro foi escrito, Hum tinha 24 habitantes, dos quais
apenas um era criança. Fora isso, toda a narrativa é ficcional,
Embora seja tão concreta e áspera quanto as realidades atuais,
Que respiram a ameaça da guerra.
Hum parece colocar em curto-circuito a certeza civilizatória
De que fechando a porta conseguimos tornar impermeáveis fronteiras
Como a fronteira entre vida íntima e vida pública;
A fronteira entre poesia e loucura
E a fronteira entre a criança interior e o adulto exposto
Nas prateleiras da loja das conveniências.
Como acontece com toda obra construída em bases sólidas,
Pairam sob as páginas de Hum questionamentos que perturbam
A sensação de obviedade e de funcionamento dos sistemas nos quais estamos inseridos.
Lutamos para amadurecer, mas queremos mesmo nos tornar adultos?
Queremos experimentar a dopamina, a aventura e o êxtase, mas
Estamos preparados para flertar com a loucura que se avizinha dessas sensações?
Queremos ser reis e olhar o mundo por cima, mas estamos dispostos
A suportar a reabertura constante das feridas causadas pelas escarpas
Da trajetória de quem aspira chegar ao alto e avante?
Os amantes da poesia vão se sentir numa montanha-russa
Ao embarcar nessa obra, tendo em vista que
Transita vertiginosamente entre a aspereza e a suavidade:
Os dois polos do curto-circuito que constitui o artifício poético.
Hum é uma cidade estranha porque, em sua pequenez,
Parece ser do tamanho do mundo
E nos faz pensar como as grandezas a que tanto almejamos
São capazes de beirar a insignificância.
É uma terra que deseja ser um reino onde
A noite a a impureza sejam incapazes de entrar: e também a guerra
Como se fecha a porta para essas coisas se elas estão dentro de nós?
Não encontrei a resposta a esta pergunta durante a leitura,
Mas achei o desejo de conversar com os questionamentos que foram brotando
Enquanto caminhava pelas ruas feitas de pedra, papel, letras
E vozes imagéticas veladas, porém nada veludosas,
Embora o livro tenha um quê
Da poética simbolista de Cruz e Souza.
Hum é um livro que ao expor nossa inteireza nos parte em dois:
Aquele que chega e o que parte.
Não é um livro que cicatriza dilemas,
Mas nos fere de uma forma inovadora e instigante
Como o fazem a fotografia de um Sebastião Salgado
E o poético lixo de um Vik Muniz.