26 de março de 2021

Poema do pavio desancorado




Diante da constatação de que é incômodo e, por vezes, angustiante

Abrigarmos a nós em nós mesmos;

Brigarmos conosco em nós mesmos;

Obrigar-nos a nós em nós mesmos;

Só posso ser grato à contingência

Que bate na caixa torácica do destino,

Por não ter deixado minha vida ir embora

Sem (re)conhecer o você que me lê:


Aquele que, sem perceber, 

Pacifica brigas de mim comigo

E empresta calor humano a minhas estrelas,

Que, assim, conseguem brilhar desmedo e desmedida,

E preferirão ser eventualmente expulsas

Das constelações, a deixar de lutar com e por ele


Perto-e-longe desse você,

A administração dos medos 

Tem sabor de biscoitos sortidos

E cheiro de chuva sussurrando ao pé do ouvido 

Das minhas janelas


Mesmo assim, vez por outra medra (in)certo medo

De que ele queira convencer meus três corações

A não serem dele

E tenha receio de ser o você da minha vida

Mas, a sua coragem

Tem sido mais rápida que o veto tácito das convenções,

E me mantém seguro:

Segurança que me excita e me incita ao bem


No intervalo entre o cio das palavras e a lavra dos silêncios enigmagmáticos,

Gosto de contar pra Deus

Como é bom resignificar  o sentido do termo namoro 

Com ajuda do você que me lê,

Desmontando, dilapidando os protocolos 

E exigências dos romances, das cartas, das publicidades;

Forjando carinhos refeitos sob (des)medida pra o tempo-espaço que nos une


Um retrato cujo único compromisso é com a fluidez;

Que tem como cláusula única o Deixar Viver,

Assinado pela sintonia

E rubricado por eventuais intempéries


E se o resumo do fazer amor

For aquecer meu rosto no seu plexo solar

Abro mão de qualquer tipo de foto e filtro

 

Encontro nele o você que gosto de chamar

Sem precisar ter algo a dizer

Com quem posso treinar minha poesia e seus para sempres

E queimar a chama

Até desancorar o pavio que navega a luz que não se apaga 

22 de março de 2021

Poema do reconforto ou da contradança

                                         Foto: Leap of Dance Academy @leapofdanceacademy



Haverá quem diga que sou burro,

Mas, o burro que sou se escreve com 

"p" de poeta, a" de amor,  "o" de tesouro e dois "t" de teimosia


Talvez o você que me lê espere somente que eu seja

Um homem comum

Daqueles que entendem a hora de parar

Talvez, não (tomara que Amém)

De qualquer forma, já tem reflexos dele espalhados em todos os afetos que sinto

Pelas pessoas afora, embora

Nenhuma delas me faça sentir como ele me refaz


Perto-longe dele, a minha coragem de sentir é uma gota de orvalho

Acariciando os ventos que dão direção a sua rosa

Como uma mão refrescante sobre o peito

Onde pulsam os pontos cardiais


É certo que sinto tonta/tanta vontade de reconfortá-lo

De ser uma parte do abalo sísmico que ele precisa 

Pra dormir o sono dos justos

E causar insônia em seus vulcões adormecidos;

Vontade de deixar escancarado, nas entrelinhas da minha sutileza,

Que ele é o você que me lê, da minha vida


Haverá dias que meu sentir pode amanhecer meio indisposto,

Não tem problema porque quando lembro

Que ele me vai aquecer, me ajudar na preparação pra lutar

Quando sinto que ele existe

O sol abre a janela pra contemplar meus horizontes


Eu espero que o você que me lê goste de mim -

E goste que eu goste dele -

Do jeito que o agora for capaz

Sou feliz aprendendo a acompanhá-lo 

A estar a favor dele em qualquer contradança 


Quando não estamos juntos,

É a mão dele que escolho continuar segurando

E quando não houver o que dizer

É com ele que meu silêncio quer

Compartilhar como foi o dia



16 de março de 2021

Remédio para a impotência gravitacional

 


Foto: Cláudio Eufrausino
Pintura: Leila Ribeiro (Girassol)


A poesia precisou abrir um pouco mão do seu voto de silêncio e cio

Porque o dia de hoje pesou 

Sobre os ombros da minha impotência gravitacional:


Acampei numa contenda

Mas, o conflito se tornou figurante 

Porque a lembrança do olhar do você que me lê

Estava na plateia ouvindo o concerto da minha paz que achou voz


E senti vontade de despir o traje de falsa presa que

Me vinha sendo atribuído há tanto contratempo


Da luta doce e firme do você que me lê,

Colhi energia pra demolir os punhos da desumanização

E consegui acolher

A vitória do meu eu desertor

E pude ser uma grande dose de mim mesmo

Com bônus de amanhecer


Abri a porta e saí pra dentro de mim

E me surpreendi que a roupa de ilha cercada de recreio solitário -

Lavada com intimidação -

Ao tirá-la do varal,

Ela tinha se tornado pradaria deslavada

Desembainhando raios de sol com cheiro de amaciante


Quero compartilhar com o você que me lê

O dia de hoje,

Minha coragem de tremer quando ele chega perto-longe

Minha desnecessidade de aniquilar

O caminho limpo que deságua de mim,

Dividindo o mar do conflito 


A contenda da qual falei

Perdeu o sentido

Porque tudo o que queria fazer

Era me sentir nos braços da proteção do você que me lê

E, como um agiota,

Emprestar aos anjos com os quais desejo que ele durma

Desproteção o bastante e proteção o suficiente


E, quando chegar a hora dos arcanjos pagarem,

Abro mão de juros e promessas

E me contento com o tesouro dos abraços

Que o eu profano dele possa ter guardados pra mim







10 de março de 2021

Poema do não ir embora

 

Foto: Karla Vidal

Vou me comprometer a dar um pouco de descanso às palavras

Mas, é que ouvi escrito em algum lugar que quando o profeta cala,

As pedras (os rios, os fogos, os ares) falam

E quando as pedras falam

O poeta traduz as cláusulas pétreas para a linguagem dos sinais

Como não sou profeta, nem pedra, nem constituinte e, somente talvez, poeta

Acabo tendo que começar a escrever pra aliviar a coceira do coração: 

O meu, o das pedras, o da poesia ou de outro instrumento ilegal afim


Quero dizer ao você que me lê que não está em nenhum dos meus plenos,

premeditações ou pós-meditações partir

Nem me afastar 


A primeira vez que conheci um para sempre suave foi com ele

A sua companhia ajuda meus gestos a aposentarem a placa de “É Proibido”

E a regulamentar a de “Fique tranquilo”

O medo e a vergonha de olhar deixam de ser flecha e viram alvo quando o vejo

Ele se abre pra minhas palavras sem paraquedas

E ajuda minhas asas a fazerem as pazes com os voos

Na hora de entrar pelo portal que se abre na lousa mágica,

Eu escolho segurar a mão dele

Porque, mesmo que ele esteja com raiva, sinto firmeza e segurança


Basta ele chegar que

Os outros do passado e seus assédios, risos, cuspidas no chão, desprezos soltos, tolerâncias morno-pesadas

Despossuem meu corpo


O você que me lê não precisa se preocupar em fazer nada

Nem sentir ou consentir o que quer que seja

Sem esforço, ele faz a diferença

Mesmo chateado, ele é íntegro e, chateado + íntegro, é lindo

 

Eu amo e acredito na grande família humana,

Só não consigo evitar que, dentro dessa família, o você que me lê seja especial pra mim;

De gostar dele na sintonia de Ágape, Filos e Eros

Mas, indepenendente de qual seja o gostar,

Ele quer ser mapa do você feliz, 

Sendo você leitura ou desleitura

9 de março de 2021

A foto onde não se mora, teoria da fração transparente ou quando não se consegue ser feito de borracha

 


                                                                        But First...

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Copyright BrunoSousa ©



Mesmo depois de um dia incrível

Um dia em que a luta te ensina como caminhar

Às vezes, a gente entende que não é de borracha

Que o vazio que entra, de repente, no coração, preenche


E aí, a gente sente vontade de partir

Como um inteiro 

Que, por falta de decifração, torna-se fração imprópria

E transparente: periodicamente dizimada


Um elogio a uma foto onde meu eu não mora, 

Onde mora uma inquilina, irmã, amiga*

Infelizmente causa no meu não consseguir ser de borracha

Um ciúme que não conseguiu evitar a tentação

De pendurar no seu eu mais bonito

Uma placa de "Será que o você que me lê me vê?"

Ou outra placa de "Será que mesmo sem elogio, a foto onde moro

É capaz de tocar a semente do abraço-beijo

Plantada nas retinas do você que me lê?"


Quando noto que não sou de borracha,

Espero indícios do desejo do você que me lê

Sou capaz de suportar as intempéries da distância,

Do segredo, da discrição, do tempo contado

Mas, o meu ser capaz, que não é de borracha, também precisa ser adubado

Com pistas dadas por você


De que a foto onde moro não precisa ser elogiada

Porque o você que me lê prefere

Elogiar a companhia do meu eu

Desalojado das fotos

Do meu eu que ele acha bonito

Com a intimidade da conexão telepática

Da qual o"Like" não consegue encontrar o rastro


* Fotos são casas nas quais conseguimos ser somente inquilinos

4 de março de 2021

Receita de bolo de farinha de Via-láctea

 

Via-láctea




Escolha o que você preferir:

Meu melhor sorriso

Minha melhor seriedade

Meu melhor jeito atrapalhado de

Apoiar você nos dias de hoje

Pelos amanhãs a fora


Nem se preocupe

Porque querer o seu bem

É muito gostoso pra mim

Mais gostoso do que bolo de farinha de Via Láctea

E o que faço é pra estar por perto

Da melhor maneira possível

E (con)vencer qualquer chance de ir embora

A desistir de você


Certamente, vai haver momentos

Em que seu coração vai querer

Me desler, me desexistir

Brigar comigo dentro de outra briga interminada

Mas, as pazes vão estar a nossa espera

Porque não quero resistir à beleza dos invisíveis 

Do você que me lê



Receita do bolo:

  • Farinha de Via-láctea
  • Gramas verdes de parque pós-pandemia
  • Margarida com sal e girassol
  • Fermento = fé sem lamento
  • Clara-escura (dialética) em neve e em chama
  • Gemas de chero ou beijinhos no pescoço
  • Tudo a gosto, setembro, outubro... sem fim, Amém
Modo de preparo:

Não precisa bater. Basta lutar com carinho e tudo vai ser massa



2 de março de 2021

Poema do Monte "Não Fugir"

 

Nuvem Gigante - Foto de Karla Vidal


O que acontece, a mais ou a menos, tem a medida certa

Quando estou com o você que me lê


O contorno do cabo das tormentas do meu coração

Se enche de esperança e convicção

Quando ele chega


Só de ele estar perto-longe

Os pontos erógenos do meu corpo

Ganham o poder do sinal de reticências

E os do espírito...


Sei que ele já sabe

Ou está bem perto de (re)descobrir

Como meu olhar se derrete por ele

Sem que ninguém mais perceba

E como meu corpo se desmancha

No seu abraço premonitório


Se perdermos a vergonha um com ou outro,

Depois, seguiremos leves

Porque ele conquista de mim um gostar

Cuja nascente é a crescente lua do gostar de mim mesmo


Nietzsche ficaria confuso e excitado,

Tentando entender como os aquis-e-lás-e-agoras

Que vivo com o você que me lê

São reais e íntegros e despressurizados


Mas, de vez em quando, 

Gosto de imaginar

Que num passado paralelo

Ele foi meu melhor amigo desde sempre e para sempre

E lutou o primeiro beijo comigo

E dançamos juntos a primeira luta



De qualquer modo, esse passado

Não é melhor do que ele existindo na minha vida

De uma forma melhor do que eu jamais teria pensado


Sinto que, caminhando com ele,

Teremos sempre tempo pra um bom combate

Antes do que tiver de ser

E depois de haja o que houver

 

Posso subir no topo do monte "Não Fugir"

Porque já consigo sentir a mão dele me segurando

Mesmo sem a colaboração do tato e do espaço


O que a nudez dele insinua por baixo do calção

Deixa minha mudez de boca aberta e descalça

Eu deixo e ele pode chegar em mim

E decifrar minha pista aérea

E voar comigo e com o meu chão nos seus braços






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