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Capa do livro de Rodrigo Capibe Foto: Cláudio Eufrausino. |
Comprando uma tapioca perto de casa, no bairro da Iputinga,
zona oeste de Recife, deparei-me com um homem barbudo, olhos esbugalhados, que,
com auxílio da Internet do celular, aberta na página de algum instituto
metereológico, vaticinava:
“Estão prevendo que, nos próximos dias, Pernambuco terá os
maiores índices pluviométricos da história. Tem uma tremenda tempestade se
aproximando do nosso litoral.”.
Intempestivamente, linkei a figura daquele repórter/profeta/Barbudo
com a de Antônio Conselheiro.
Foi inevitável também fazer uma conexão entre aquele relato
profético e o livro Arraial Novo de Canudos (Tarcísio Pereira Editor), lançado em novembro passado pelo escritor Rodrigo Capibe.
Arrisco dizer que nenhum meteorologista descreveria com
tamanha vivacidade e precisão a loucura do clima recifense (sensação térmica de
18 graus), das últimas duas semanas, como faz a profecia de Capibe, que, este ano, tornou-se balzaquiano.
Com a devida licença poética e as bênçãos da
hipérbole, o jovem autor pernambucano empresta às chuvas o poder de gerar uma
catástrofe comparável ao dilúvio.
Mas, a gota d'água dessa situação foi o surgimento de um boato de que uma represa situada num dos municípios da Região Metropolitana de Recife, estourou, repetindo a trágica situação ocorrida na década de 1970, inundando a capital de Pernambuco.
E esse dilúvio é, literalmente o divisor de águas do
romance, cujo título é o nome de uma escola pública onde o personagem
principal, Tibério, recém-formado em Biologia, leciona.
Mesmo fortemente influenciado pela noção
darwiniana de Seleção Natural, Tibério, conflituosamente, oscila entre
acreditar que o ser humano é um Bom Selvagem e crer que as pessoas são como
certas espécies de formiga que raptam larvas de outros formigueiros e as criam para depois fazer delas escravas.
Sem se dar conta, as formigas reféns pensam ser “iguais” às
demais quando, na verdade, desempenham tarefas para
as quais as escravizadoras não estão fisicamente preparadas. A ironia é que as
formigas escravocratas dependem totalmente das escravas para sobreviver.
Este dilema atravessa o livro inteiro. Professores que tentam
fingir reproduzir um modelo de sala de aula esgotado, onde o Mestre controla os
alunos, mas que, interiormente já se deram conta de que dependem da cooperação dos estudantes para ter êxito: algo que coloca o professor numa encruzilhada
cortada pelo entusiasmo, o medo e apatia.
A tragédia pluvial, narrada por Capibe, é uma das faces da
moeda. A outra é representada pelo caos de uma sociedade que se esforça para
ser pós-moderna, mas não consegue se libertar do autoritarismo dos antigos
engenhos.
Com refinamento, o autor exibe as diversas identidades desse caos que, à luz da rotina e da urgência da urbe, permanece oculto aos olhos
inertes dos adultos e dos adolescentes.
Tibério é também narrador e, nesse papel, veste o instigante
tédio de outros narradores-personagens como Bentinho, em Dom Casmurro, e
Graciliano Ramos, em Memórias do Cárcere (autobiografia).
Surpreendentemente, o final do livro acontece antes da
metade, antes do divisor de águas. Mas, isso não impede a obra de continuar e, mesmo
depois do fim, atingir o clímax.
E o pós-fim (o fim depois do apocalipse)? Deixo aos leitores
a oportunidade de “julgarem” a alternativa encontrada por Rodrigo Capibe para
lidar com este paradoxo.