28 de agosto de 2020

Poema de desculpa

 

Foto: Cláudio Eufrausino.


O poeta também erra ao usar as palavras

Como a rosa que se esquece de que é um texto pontuado por espinhos


E só tem um jeito de o poeta se desculpar

É vendo teu sorriso sorrir

Mesmo quando ele precisar ficar offline


A ideia de ver-te o coração partir me deixa perdido no meio da sala

As armas tropeçam em calafrios


Não é necessário comparar quem voa até mim sem viajar

Com a luz, a noite, ou a natureza


Porque estou disposto a construir com ele as metáforas da existência


Gosto de sentir que posso ser linha aprendendo 

A se equilibrar nas tuas páginas em construção


Se minha palavra errar, espero que seja

pra aportar na tempestade que és

Ou navegar na adrenalina da tua serenidade


27 de agosto de 2020

Conjugação do verbo ilusão

 

Foto: Karla Vidal - @karlagvidal


Ilusão: verbo sem princípios; pronominal irreflexivo; anômalo, abundante na primeira pessoa do plural, feito de pessoas irregulares; gratidão, paixão, sem pressa, clareza


Eu me iludo

Tu me desiludes

Ele me desiludirá, talvez

Nós (não há?)

Nunca nós?

Voz cala

Eles (não) decidem

Nós construímos nosso nós

Nós desatamos

Se (tu) não me desistes

Eu não nos desisto

Nós nos elucidamos

Eles julgam

Eles, danai-vos!

Nós, ludo

Voz luditas

Nós nos lutamos

Nus nós



26 de agosto de 2020

O salto imortal do abismo

 

Foto: Cláudio Eufrausino.


Estaciono o olhar no depois e torço pra que ele seja indiscreto o suficiente

Pra que meu alvo asserte em cheio a flecha que me voa congelada 


Acreditar que existe quem nos espera por alguns minutos depois do fim, 

Saber o nome deste quem e ouvi-lo chamar quem eu posso arder

Quem em mim não sabia mais aguardar

Quem meu desterro revestiu de alternativa e asserto


É o desafio que minha imagem imprópria sempre e hoje quis refletir


[Lá] Onde a eternidade explodir em calor, corpo e colapso

[Se] Onde o eu passageiro for implodido a alçar voo pelo  ressurgir,

[Sol] Quero fazer amor com o que te for paradoxo e refazer o amor com tua trivialidade


O abismo dá um salto imortal

E os poderes se veem partitura do desconcerto

Quando o tempo inventa um estar de frente para o meu ao teu lado e para o ao meu lado teu


22 de agosto de 2020

Poema de sexta

Foto: Cláudio Eufrausino


Sou tão corpo

Arrisco-me a dizer que a verdadeira membrana que me plasma é o abraço

E minhas mitocôndrias respiram a falta de ar do beijo 


¿ E quando a felicidade nos empresta uma presença-distância que

Faz da queda da Internet a luz de velas de um jantar navegante

Onde Odisseu não é mais seu ou de mais ninguém?


Perdoe a falta de tato, mas preciso de um toque sobre quando poderei dedilhar,

À sangue quente,

A linha do Equador nos teus corpos e cavernas com direito a turbulência e a cala-frio


Amar quando se é abraçado é um sonho

Mas, amar também o abraço que não se pode abraçar é sonho que não teme ser realidade


Amar sendo texto principal é uma dádiva

Mas, amar sendo epígrafe dos capítulos é onde a vida é ávida


A maior parte do tempo de quem amamos é feito de onde não podemos estar juntos

Saber que existe quem faça este quem feliz, nesse onde onde não estamos,

Me traz o alívio de cifrar 

A música tocada pelo mistério da fé


Sair pra dentro de casa numa sexta à noite vira pleonasmo legítimo

Quando se está na melhor boa companhia

21 de agosto de 2020

Sobre a correspondência

 

Foto: Cláudio Eufrausino.



Meu eu é um endereço que por mais mais-que-perfeito que seja

Não consegue se deixar encontrar pela correspondência


Se você me deixar te deixar me visitar,

O barulho da chuva será suficiente pra fazer a represa do oceano sangrar

E inundar a mentira da Terra Plana


Depois da classe, me tira da era plena

E me empresta um abraço de correspondência devolvida

Sem reios: só cor descomposta


Quando te encontro, a carta do Rei quebra a etiqueta

E acompanha você pela vida inteira, que escorre pela orla minada dos minutos


Se chegar o tempo em que a pandemia solicite reinventar o beijo

Espero que percebamos o que já sabemos, mas só temos coragem de pressupor:

Que o beijo do futuro já está sendo desenvolvido por nós (d'ois, d'olás, d'aquis, de lás, de sóis...), sem nenhum tipo de amarra

Num laboratório que ora reza, ora elabora, ora treina, ora é rosa, ora é rasante, ora é heresia, éramos trem


Depois das 10 horas, espero que minha presença faça parte de tua contagem regressiva para o sono

E se você me chamar, saio do meu sonho pra te sair do seu pesadelo


18 de agosto de 2020

Poema sobre o detalhe ou as mãos alcateias

Fonte da imagem: HG Lobo Alcateia


De presente, a máscara

E, de futuro, a desmáscara

A cura neologística dos pretéritos mais que perfeitos, que assombram

A emancipação humana, de temps en temps

 

Quem ama, ama primeiramente o amor

A pessoa amada é detalhe (incapaz de ser mero ou quimera)

É como a onda: entalhe do mar

É o encanto do segundo lugar, que faz o primeiro

Abrir mão da medalha e

Que faz o pódio reinventar seu chão


Afinal, o que seria do sol sem a lua pra o ajudar a refletir?

Os detalhes são mais sagrados que os altares

Melhor do que ter a vida inteira pra prender

É fazer da vida inteira que visita cada momento

Chance de apreender os detalhes


E quando tua presença-vento escorre entre meus dedos

Gosto de pensar que, na verdade, são minhas mãos orantes e alcateias que acharam abraço e terra firme

No teus detalhes-brisa

15 de agosto de 2020

Quando o sentido fita Moebius ou quando se é tornado texto

 

Foto: Cláudio Eufrausino


Quero pintar uma palavra,

Esculpir uma música

Arquitetar uma dança

Que revelasse o que sinto somente pra quem tem me ensinado a me tornar

Texto remanso com franja de queda d'água reerguida


Guardo a vontade de sorrir na esquina do olhar,

Quando estou perto de você, à distância

Você me aprender sem rir de mim

Faz teu toque se refratar onde meu sentido fita Moebius


Adormecer no teu abraço me fará indefeso vencedor

E abraçar o seu acordar tinge minhas cinzas de fênix de invencibilidade e recomeçar


Saber você feliz inaugura minha postura mais flexível e sincera

E me dá vontade de ser o meu para sempre mais tranquilo, sutil e ardente


Na tua companhia, de presença reinventada, aprendo silenciosamente

a etimologia da palavra futuro

E jogo uma pá de lava em medos e cobranças impostoras





Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...