28 de outubro de 2015

Crônica do amante amigo

Foto by Kotaro Kawano


Crônica do amigo amante
Por Clistarco Sepúlveda

Amante de minh’alma:
Parece que era assim que os santos em êxtase se referiam a seu amigo Jesus
Permita-me, Senhor (permitam-me, senhores)
Usurpar farpas desse elogio à divindade
E aplicá-las a um amigo terreno, tão querido
Isso antes de o corretor ortográfico ou a timidez resolver confiscar minhas palavras

Uma coisa é certa, por mais fora do padrão que possa parecer
Eu faria amor com você
Se você prometesse que não deixaria de ser meu amigo depois
E prometesse não jurar, porque o juramento é antessala da mentira

Eu mergulharia no teu abraço como uma pérola
E ensaiaria o paradoxo de te ter dentro e fora de mim,
Mesmo sabendo que estás no meu megalopolita interior,
Antes d’as portas terem sido abertas

Faria amor com você, amigo amado
Se isso pudesse ser um segredo a três
Porque por mais que o céu do teu colo me seduza
Quero continuar sonhando em ser padrinho do teu casamento

Quando teus silêncios me contaram que querias achar uma palavra para me fazer feliz,
A beleza se deu uma nova chance no meu rosto

Teu carinho intima os amores platônicos a se libertarem de minha gaiola de ventos
Meus ventos a se desalgemarem das culpas
E meus confessionários a se converterem em salão de festa

Sou tão grato por compreenderes que o espetáculo da nossa amizade
Não precisa ter medo dos intervalos de excitação, de hesitação
Do desejo de fazer sexo com tua companhia
Enroscado nas dobras de teu magnetismo
Peito aberto a teu beijo de falésia

Amigo, não me impeça de me sentir atraído por você
Do intelecto aos pés
E que possamos seguir juntos
Ignorando os futuros que possam querer interferir
Até que a última fileira de combatentes do xadrez
Anuncie nossa velhice e denuncie nossos abraços semi-apertados
Em respeito à ação proustiana do tempo sobre nossa ossatura recíproca





18 de outubro de 2015

Poema do Horário de verão

Foto de Luci Correia



Horário de Verão

Por Linardo Kleto

É véspera do dia em que nasci
O horário de verão (ou de outono, dependendo do hemisfério) redesenhando as linhas do destino
No cosmos, no meu rosto, nas mal traçadas palmas de mi manos

Na fila dos amores, tu és o primeiro
Ao mesmo tempo segundo (sol)
E terceiro (dia): ressurreição

O seguinte da fila está a muitos anos-luz daqui
Onde em lugar do meu coração, bate o tédio
Em marcha morna

Só tua arrogante presença, em carne, osso ou perfil facebookiano
Pra fazer a luz valsar, caligrafando os sonhos manuscritos por este rascunho chamado alma

O arrogante mais lindo que a face oculta da doçura já inventou (És)
Teu colo é refúgio para minhas folhas caducas

Descobre em mim, amor
Como o dizer, aparentemente, a mesma coisa (ato falho?)
Pede emprestado à poesia da lua cheia
A inesgotável novidade do eterno retorno

Tu me és tão presente
Te amo em teus 25, 26, 27, 28, 29, 30
E espero que a prorrogação continue
Pois te ver lindo a cada ano que passa
Enche-me de vida súbita

Será que, agora, aos 35 do primeiro tempo
Você vai achar um tempinho pra me amar do teu jeito
Displicente, nômade, ariano?

Quero te dizer que o laço do presente, este ano,
São teus primeiros fios de branco
Charme que seduz o futuro nas linhas de minha mão

E ensina meu cafuné a ler em braile

12 de outubro de 2015

Carta sem remetente a Nossa Senhora

Nossa Senhora
Fonte: Ave Luz


Costumo falhar quando o assunto é fazer chegar minhas correspondências às pessoas que amo
Perdoe-me, Baudelaire!
Perdoe-me, Maria, pelas flores do mal que meu corassão sementeia a teus pés

Minto a idade, assisto pornografia esporadicamente, talvez,
Julgo precipitadamente (mas guardo os veredictos no compartimento secreto de meus bolsos)
Deposito poemas secretos na timeline do Facebook
Insisto em ter esperança de que serei amado por quem amo

Não sei como, diante de tantos senões, sinto-me convidado pela Senhora da Luz a
Cantar para ela
E quando eu canto a Salve Rainha, minha mãe te vê dançando, Nossa Senhora
Que honra sem tamanho,
Pois quero poder te presentear com a leveza da dança e ajudar teu coração imaculado
A esquecer por um minuto que seja as dores das espadas, o peso de, por amor,
Fazer-se nossa intercessora

Há quem dirá: “Diga Adeus aos intermediários”
Eu digo: Deus me livre e guarde
Obrigado, Mãe, por interferires com teu silêncio glorioso
Nos rumos da minha oração
Contigo, aprendo sempre que o silêncio orante é o supremo alicerce da poesia

Tenho certeza de que Deus não se importa de seres chamada Mãe de Deus
Porque ele não é tacanho e ele quis que os seres humanos fossem co-artífices da redenção
E tu és sempre tão humana, errante, peregrina, mais que padroeira, refugiada em tantos países
Chorando com as mães os filhos mortos paridos pelo mar sem fim
E os desaparecidos ocultos neste fim sem mar

Rainha, tu que vences o dragão, intercede para que nenhuma Drag Queen seja assassinada
Por algum infeliciano
E para que nenhuma criança seja apedrejada por, em vez de te chamar de Maria, te chamar de Iemanjá
Rainha do novo mundo,
Tu, que aceitaste o risco de seres chamada de prostituta e apedrejada
Para que chegasse à terra Aquele que ensinaria a esperança a germinar dos corações
Rainha porque teu manto recobre virgens e putas e divorciadas e transexuais: homens e mulheres: humanos

Sempre soube que existias, antes de saber quem eras
Porque ajudaste os tiros que, sem pedir licença, entravam em minha casa,
A desistir de nos matar
Intercede, mãe, pelas futuras vítimas de balas perdidas
Pelas crianças perdidas
Por Peter Pan

Agora e na morte de nossa hora

10 de outubro de 2015

Presente de a(d)niversário antecipado


Futuro do presente

Por Jose Luis Paredis

Perguntado por Iara sobre contra quem estava apaixonado, respondi que estar apaixonado é como esperar um presente de aniversário do seu adversário mais querido. Mas, como é sabido por quem bem o sabe:

O melhor presente de a(d)niversário é o que damos a nós mesmos

Escolhi me dar de presente continuar amando-o
Sinto muito, mas a linha do tempo
Tornou-se prateleira e estava nela exposta o novo perfil dele: depois de ter baixado a guarda
De seus óculos escuros
E a face da terra se renovou olhada pelos teus olhos castanhos

Era um presente dentro do outro e eu já não sabia
O que era mais presente: se tua beleza ou tua
Felicidade ou a promessa de voltares ou a profecia
Que antevê tua chegada em primeiro lugar
Como quem ganhou a corrida só pra poder
Estender a mão e salvar a vitória de cair para cima
Sim, meu anjo, teu rosto sereno livra o abismo
Da obrigação de ser “de profundis” e o céu de ser cume

Pensei em pedir a cura pra minha loucura,
Mas as palavras são só partitura do meu carinho à
Distância e, hoje, chego a entender que
Minha única doidiça é não ter vergonha desse gostar suturado: gostar sem ser correspondido

Todos os além-do-tempo que me dás, embrulhados numa só embalagem: a graça do teu existir

Me dá a honra de dançar contigo a valsa da distância por mais um ano?
E assim não perder a coragem de rezar por meu próprio coração
Mas, se quiser deixar um selo de troca no presente, posso trocá-lo por tua presença
Ou, talvez, pela chance de

Dormir abraçado com teu sonho e acordar teu beijo de Bom Dia!
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