29 de outubro de 2013

Escapando de uma capotagem para descobrir que Angelina Jolie é a estrela predileta do cineasta e filósofo Sêneca

Cena do filme Life or Something Like It


A minha irmã Karla Gisele e minha mãe Marluce


Acho que o carro só capotou uma vez. É difícil contabilizar capotagens quando fazemos parte delas, assim como é difícil dizer com clareza em que orbital está um elétron.

Graças a Deus, dessa vez não precisei ser herói: ser reduzido a cinzas para renascer delas como uma Fênix que, antes de voar, precisou passar doze horas usando um colar cervical, sob observação médica ( de minha mãe, visto que, para um médico de plantão num hospital público, observar é, a um só tempo, verbo defectivo, irregular e anômalo).

Não precisei ser herói para que a primeira pessoa me oferecesse água quando saí daquele carro capotado que, por ironia do destinacaso, chamava-se Logan, mas diferentemente de Wolverine, não conseguiu se regenerar.

Antes de capotar, cantava (eu; não Wolverine) a música “O que é o amor?”, composta por Dorival Caymmi e interpretada por Selma Reis. E pensei: será que o capotamento foi uma resposta da Providência àquela canção-questionamento?

Durante a capotagem, não houve tempo de ver um filme da minha vida passar diante de mim. O que aconteceu foi ter ouvido um imenso pot-pourri, do qual tantas das músicas haviam sido tocadas pra mim por minha tia Dicise, a primeira a trazer o piano para minha intimidade. 

E, no cortejo das canções que cortejaram aquele capotamento, Debussy andava de mãos dadas com Chitãozinho e Xororó, Léo Jayme, Wando, Belle & Sebastian, Kiss, Fred Mercury, Wanderly, Led Zeppelin, Sinead O'Connor, Rita Lee, Luiz Gonzaga, Cold Play e todos os injustiçados que as citações costumam deixar pelo caminho, porque a citação que se preza sempre pede licença para, num mais tarde qualquer, reparar as injustiças que comete.

Depois de sobreviver, uma de minhas primeiras tarefas foi descobrir que pot-pourri significava “vaso podre” e que, em sua origem, é uma mistura de ervas, perfumes ou especiarias: versão primeva do Bom Ar. Como Salvador Dalí e eu desconfiávamos, existe mais em comum entre o sentido da audição e o do olfato do que sonha nossa vã sinestesia... Talvez, por isso, a expressão pot-pourri tenha sido apropriada para descrever a montagem de partes de músicas (arrisco-me a dizer que o pot pourri é o elo perdido entre música e cinema!).

Perdão, Senhor, pois pouco antes e pouco depois de minha quase-morte, em vez de querer salvar o mundo ou me tornar um milionário dono de barras de ouro (que valem mais do que dinheiro), quis fuçar o Google atrás de cultura inútil. Mais, Ça va!

Já a caminho do hospital, depois de haver constatado que a bondade humana ainda é capaz de chegar até nós, vinda de onde menos esperamos, um filme não me saía da cabeça: Life or Something Like It. Estrelado por Angelina Jolie, o filme, que em Português ganhou o título de Uma Vida em Sete Dias,  conta a história de uma repórter que, após encontrar um vidente que prevê que ela morrerá em sete dias (Óbvio?), entra em parafuso e começa a desafiar as convenções sociais.

A película reproduz a ideia: felicidade = ser livre = mande as convenções tomarem no cu (depois do acidente, é praticamente irresistível tomar uma coca-cola e dizer um vai tomar no cu). Esta  mensagem nos remete a Sêneca que, em algum tempo distante, antes de Cristo, disse mais ou menos assim: “Viva cada dia intensamente, pois cada dia pode trazer em si a vida inteira”.

Recebi essa mensagem de uma amiga, no dia do meu aniversário. Isso sem nem me passar pela cabeça que sofreria um acidente de carro, às vésperas do aniversário de minha irmã.


Depois da capotagem, meio que percebemos, Heisenberg e eu, que...

Mentira, ainda não deu tempo de perceber nada, pois, Brecht e eu estamos cuidando da papelada do seguro do carro.


E a música mais longa do pot-pourri que rolou na cena de capotamento de “Embalos de segunda à tarde” - estrelado por este que vos escreve ( tendo em vista que John Travolta não topou ser meu dublê de corpo) - era feita de braços entrelaçados: era o abraço do homem que talvez me ame (e a quem certamente amo): talvez, porque, ele é outro discípulo de Heisenberg.




26 de outubro de 2013

Amor feito à bordo

Fonte da imagem: Sina



Pelos ares
Por mim


Beijaria teu corpo
Inteiro: do céu à Terra
E o ar prender o fôlego
Teria que
Meus dedos acariciariam
Todas as eternidades que
Dardeja tua pele:
Sim, minha mão é um alvo móvel
Que te busca
Mas, fui acertado antes
Da aljava desabraçar a
Flecha:
Acertaste em cheio meu
Vazio e
Os ares aceitaram perder a guerra e se
Tornaram vaso onde teus pés se plantam
Para que meu vôo possa escalar-te
Até o cume e, lá,
De tempos em tempos,
Reservarás 24h para que o infinito tire férias
No laço que teus humores e tua falta de humor
Vão colher no meu corpo

12 de outubro de 2013

A rosa-cobertor que desabrochou andaluz


 
Foto de Gilmar Carneiro


Rosa-cobertor
Por Clécio Vidal

O importante é que as rosas cheguem
Um pouco hostis mesmo que sejam
Porém orantes, consagradas a tua vida

E escorram lenta e docemente,
Pelas vértebras de tua cegueira,
Vinho Novo que destrona a treva e desabrocha andaluz
Nossa Senhora aparece e acena
Da porta que espera aberta pra ti

E todo milagre se torna de Novo primeiro
E, embriagado, o caminho
De quem se deixou amar
Bate asas e sai derramando
Pétalas
Até a lágrima
Entalada
Desaguar num oceano Novo, pelos séculos dos milênios

Importa que teu DNA se encha de
Alegria e que uma rosa
Nele se instale, abraçando apertado
A desoxirribose

Pois, se rendo homenagens aos vivos
As friezas e tibiezas se rendem
A um amanhã todo esperança
E quando rendo homenagens aos vivos
As rosas se descobrem cobertores rendados
E acolhem nossos corpos
Abraçados, admirados
Diante do reflexo do coração de Deus,
Reflexo que se chama Maria
E não tem vergonha de arderamar

9 de outubro de 2013

A revanche de Perséfone e o futuro da mídia diante da crise econômica da fofoca



Lazarsfeld, considerado um dos pais das teorias da Comunicação, afirmou que um dos principais pilares do circuito comunicacional é a fofoca.  Sem ela, o alcance do que é veiculado pela mídia seria nulo. Fofoca, bisbilhotagem: a eficiência dos meios de comunicação estaria diretamente ligada à capacidade destes de exercerem sua vocação de janelas indiscretas.

Neste sentido, as revistas de Celebridades são espaços consagrados à fofoca sobre a programação da TV, retroalimentando este meio de comunicação.  Isso já era verdade nos primórdios do jornalismo, quando a fofoca semeada nos Cafés era combustível que fazia continuar trabalhando a prensa na qual eram gestados os jornais.

Hodiernamente,  certamente talvez sejam as redes sociais o principal celeiro de fofoca do qual se nutrem as mídias. E, nos murais e mensagens privadas do Facebook, no Twitter, no Instagram, a fofoca enfrenta o desafio de se adequar a normas de uma etiqueta que acreditamos ser nata sem perceber que é, a todo instante, reinventada.

E, os requintes, ora de crueldade, ora de generosidade (momento raro), da fofoca experimentam a pressão imposta pelas característica peculiaridades das diferentes redes sociais.

O problema é que a mídia vem sabotando sua própria inspiração: o boato: fundado na maledicência. Pensemos no fenômeno Sérgio Reis, com sua “Panela Velha” (anos 70?). Qual  foi a matéria-prima deste sucesso senão ter enfrentado a dose de maledicência presente no preconceito de que uma mulher, ao cruzar o cabo Honoré de Balza, estaria velha e condenada a não ser mais desejada por um homem. O que esta canção fez foi desdenhar do preconceito que nutriu durante tanto tempo as "conversas de bastidores" (fofocas).

A sabotagem da fofoca vem se intensificando diante da pluralidade de padrões estéticos e culturais que está ganhando espaço na mídia. Nas timelines e, na própria TV, as madeixas pixaim conquistam reconhecimento equivalente ao dos cabelos lisos (antigamente chamados de “bons”), índios, orientais, negros e caucasianos trabalham juntos na mesma equipe de revezamento em busca do reconhecimento. E mulheres de quarenta anos acham terreno para ostentar uma beleza que nada deve a de duas mulheres de vinte.

Perséfone entra linda na igreja (Foto: Pedro Curi / TV Globo)
Na novela das 9, de Walcir Carrasco, o caso da personagem Perséfone desafia o preconceito de que é impossível a uma pessoa gorda ser amada por alguém magro. Assim, rouba das línguas ferinas o "privilégio" de,  mesmo sem falar, fofocarem através das mal traçadas linhas do Face e dos mal traçados caracteres do Twitter.  De certa forma, a redenção da Perséfone da novela contribui para redimir a figura mitológica de mesmo nome. Na mitologia grega, Perséfone, filha da deusa Ceres, foi condenada a ser uma eterna transeunte, passando seis meses na Terra e seis meses no Inferno. Na novela, a personagem ganha o direito de revanche, expondo, questionando e neutralizando preconceitos que a covardia nutre por meio da fofoca: versão contemporânea do vai-vem entre a vida e a morte (dos corpos e das almas) ao qual estão sujeitos suas vítimas

Num contexto em que as fronteiras dos valores buscam frequentemente se reconfigurar, a fofoca vive um momento delicado, pois ela costuma precisar de certezas, mesmo que sejam certezas falsas, para se manter de pé.

Ao lidar com a fragilidade de suas opiniões preconcebidas, os meios de comunicação inibem a fofoca e, com isso, precisam repensar qual será seu combustível. Talvez, a partir de agora, Perséfone tenha a chance de ficar mais tempo livre do vai-vem entre Terra e Inferno, cuja versão contemporânea é o ciclo do disse-me-disse.




Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...