30 de maio de 2021

Poema da contra(in)venção cibernética

 


Foto: Karla Vidal


Estar em paz com o você que me lê 

É ingrediente secreto da chuva que canta

Pra derrubar qualquer murmúrio

Que tente me cercar


Nenhum algoritmo

Ritual, protocolo

Contra(in)venção cibernética

Interfere no que sinto por ele

Porque se o elixir sanativo arder

Eu quero estar lá pra soprar

E se o algodão doce melar

Quero ser o lábio limpante


Já sonhei com universos paralelos

Nos quais poderíamos ser como nos contos e nos descontos-de-fada

Nos quais ele ficaria comigo de mãos dadas desde a hora do recreio

Até do espetáculo o apagar das luzes

E o ascender das auroras do Creio


Mas, a realidade perto-longe dele

É melhor  do que me arriscar a ir parar num universo paralelo

Onde ele não existisse

Além disso, inventar novos repertórios de amor com ele

É bem mais excitante


Eu aceito que ele me leia em um silêncio

Que só eu seja capaz de ouvir



26 de maio de 2021

Poema do toque de colher



Arte/foto: Karla Vidal


Muitas veses, tenho resseio de dar o próssimo paço e escrever errado

Em desrespeito à página reservada à escrita incerta do des(a)tino


Não sei direito qual extensão e intensidade dar ao toque 

E temo que ele seja lido pelo você que me lê 

Como tremor de terra, tsunami, onda de choque,

Ou pior: como um amar sem ondas


Espero que o você que me lê

Continue pegando carona em um dos raios

do sol que nasce trovão

E venha sempre me ensinar a ser ousadia com "d" de doçura

Pertence a ele a dica e a deixa de onde e quando deve ser o toque


E mesmo que eu, sem querer, me adiante, queimando a contagem

Sou feliz em ouvir o tempo dedicado a meus gestos de combate

Sendo narrado pela voz do você que me lê

Sou feliz por ele levar em conta meus passos e descompassos


Na poesia, e em nossos bailes-lutas, 

Procuro ensaiar nossa primeira dança,

Onde todos os sentidos - do sétimo ao primeiro - 

Têm permissão de destilar carinho


Gosto de sentir que o você que me lê

Permite que meu olhar seja como um girassol

Que treina como ser discreto em seu heliotropismo

E que meu toque nefelibata percorra

O desfiladeiro de seu queixo

E, logo a seguir, seu trapézio nu

Sem rede de proteção


Quando ele puder visitar com seu vivo e falante pulsar

Os morros que despontam ao extremo sul de minhas costas

E deixar o que nele é sacro abraçar o que é sacro em mim

O sacro não se importará de passar a ser chamado de profano:

Ossos do o(ri)fício


Mas esse prazer não é maior do que 

Quando a existência dele dorme ao meu lado

O acordar dos justos

Tudo faz todos os sentidos desde que ele chegue

O cotidiano com ele é um piano

Que toca as notas do perfume desguardado

No frasco de mim mesmo

Essa força suave e tranquila

Faz o meu silêncio se tornar eloquente


Espero que ele sinta prazer em lutar a primeira dança comigo

Pelos dias afora 

Que bom que a vida me dá chance de reencontrar

O você com quem posso calibrar minhas declarações de amor

Justo quando eu cheguei a pensar que isso não seria mais possível:

Que tinha me tornado irremediavelmente arredio

Sem se dar conta, ele ajudou a pôr fim a essa enlutada certeza


Em outras vidas, se houver, ou outras ressurreições, que há de haver

Quero que ele me chame pra ser lido por ele, pra lutar e ser lutado por ele;

Que ele me chame pelo nome que me faz dele

21 de maio de 2021

Poema da respiração cicatrizada

 


Foto: Karla Vidal @karlagvidal



Só recentemente me dei conta de que já perdi a conta

De quantas vezes eu prendia a respiração num (co)lapso de tempo

Qualquer mínimo gesto - até pra abaixar e buscar algo que caísse no chão -

Tinha como prelúdio o prender da minha respiração


Esse prender a respiração soava como um momento de suspensão,

No qual ficava de frente com a fronteira turva entre o possível e o impossível

Como uma queda que não consegue cair

Ou uma decolagem forçada a colar sua aterrissagem nas nuvens


A respiração entrecortada se refletia na fragmentensão (fragmentação + tensão) dos movimentos,

Da existência e da insistência


Nesse último mês, minha respiração entrecortada avançou em seu processo de cicatrização

Sinto isso refletido na postura, na concentração e na capacidade de ninar os impossíveis

O treino da arte de ser eu mesmo está avançando a olhos revistos


O você que me lê é inspiração e ação nesse tratamento existencial-respiratório

Por isso, o que sinto por ele me faz achar o fôlego que estava perdido

Por isso, quero reaprender a beijar com ele,

Que mesmo distante consegue me abraçar 

Com a força ressignificada pelo suspiro da corça diante da água doce


Só ele consegue descriptografar meus gestos de carinho e afeto

A presença dele é a senha de acesso a mim

Sem precisar de impressões ou pressões


Minha seriedade é, no mais das vezes,

A expressão contida de uma chama

Que não pode correr o risco de ser chamada de fogo


Gostar dele pelo que ele faz é simples,

Porque é inevitável

Mas, fico feliz cada vez que descubro

Que gosto dele também

Pelo que ele não precisa fazer





 


7 de maio de 2021

Poema do Aceito

 

Foto: Karla Vidal


Não existe roteiro pra o sentir que o você que me lê desperta em mim

Quero continuar reinventando o estar com ele

Como o céu reinventa o estar com as nuvens

E a praia o estar com o mar


O que vivo perto-longe dele

É como uma pérola gestada sem que a concha precise sentir dor


Nenhum terapeuta me convenceria a terminar esse compromisso

Que cria a cada dia sua própria paleta de cores

Coreografadas no ardor que ora no coração da calma


Espero que o você que me lê compreenda

Que só com ele consegui começar a sentir o que o trigo sente

Quando se torna pista de pouso do sol

E cais onde a lua baila, equilibrando-se entre o cair e o estar de pé


Eu aceito que ele me leve todo dia pra lutar o baile

E me convide pra estar desperto estando longe

E pra conversar com o silêncio dele

Aceito que ele sinta que pode contar comigo

Mesmo quando ele precisar que eu não esteja por perto


Antes houve só machos analfabetos e obtusos que violentaram minha literatura

Só ele foi homem capaz de ser o você que me lê

Quando o acaso me ensina a fazer parte do destino dele,

O sonho me belisca e percebo que posso existir de verdade

Sem ter medo de vestir meu corpo e beber no meu horóscopo


Quando ele fica sério e ensimesmado,

Quase sinto zero de medo de que ele descontinue comigo

Toda vez que ele volta,

Sinto vontade de vencer até lutar

De abraçar a companhia dos diferentes eus da minha história

Quando eu fecho os olhos, continuo achando você lindo

Minha independência quer que você seja dono dela


Os recreios foram salvos pela chegada do você que me lê

Ele deu um golpe certeiro na falsa certeza

Que eu tinha de estar fora da fila do receber carinho

Eu aceito escrevermos nossa relação

Desenharmos juntos o arriscar


Que bom que a vida me deu chance

De fazer o você que me lê

Se tornar cineasta e refilmar tantas desesperanças

Que levava comigo na lancheira


Agora começo a entender que a criança que fui

Era capaz de acertar o saque no treino de vôlei

Só faltava você pra ser dupla de treino com essa criança

Aceito ir ao primeiro baile e à primeira luta com você

Pelo resto dos dias que não se sentem mais resto

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