26 de maio de 2021

Poema do toque de colher



Arte/foto: Karla Vidal


Muitas veses, tenho resseio de dar o próssimo paço e escrever errado

Em desrespeito à página reservada à escrita incerta do des(a)tino


Não sei direito qual extensão e intensidade dar ao toque 

E temo que ele seja lido pelo você que me lê 

Como tremor de terra, tsunami, onda de choque,

Ou pior: como um amar sem ondas


Espero que o você que me lê

Continue pegando carona em um dos raios

do sol que nasce trovão

E venha sempre me ensinar a ser ousadia com "d" de doçura

Pertence a ele a dica e a deixa de onde e quando deve ser o toque


E mesmo que eu, sem querer, me adiante, queimando a contagem

Sou feliz em ouvir o tempo dedicado a meus gestos de combate

Sendo narrado pela voz do você que me lê

Sou feliz por ele levar em conta meus passos e descompassos


Na poesia, e em nossos bailes-lutas, 

Procuro ensaiar nossa primeira dança,

Onde todos os sentidos - do sétimo ao primeiro - 

Têm permissão de destilar carinho


Gosto de sentir que o você que me lê

Permite que meu olhar seja como um girassol

Que treina como ser discreto em seu heliotropismo

E que meu toque nefelibata percorra

O desfiladeiro de seu queixo

E, logo a seguir, seu trapézio nu

Sem rede de proteção


Quando ele puder visitar com seu vivo e falante pulsar

Os morros que despontam ao extremo sul de minhas costas

E deixar o que nele é sacro abraçar o que é sacro em mim

O sacro não se importará de passar a ser chamado de profano:

Ossos do o(ri)fício


Mas esse prazer não é maior do que 

Quando a existência dele dorme ao meu lado

O acordar dos justos

Tudo faz todos os sentidos desde que ele chegue

O cotidiano com ele é um piano

Que toca as notas do perfume desguardado

No frasco de mim mesmo

Essa força suave e tranquila

Faz o meu silêncio se tornar eloquente


Espero que ele sinta prazer em lutar a primeira dança comigo

Pelos dias afora 

Que bom que a vida me dá chance de reencontrar

O você com quem posso calibrar minhas declarações de amor

Justo quando eu cheguei a pensar que isso não seria mais possível:

Que tinha me tornado irremediavelmente arredio

Sem se dar conta, ele ajudou a pôr fim a essa enlutada certeza


Em outras vidas, se houver, ou outras ressurreições, que há de haver

Quero que ele me chame pra ser lido por ele, pra lutar e ser lutado por ele;

Que ele me chame pelo nome que me faz dele

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