7 de setembro de 2016

Um pretexto para falar de Marcuschi

Encarte de DVD pertencente à Coleção Luiz Antônio Marcuschi
Fonte: Blog da Pipa Comunicação


Não sei bem, mas acho que foi um teórico chamado Peter Sloterdjik que definiu a citação como um “encontro entre amigos que talvez jamais se conhecerão”.

Pois bem, não estreitei laços com Luiz Antônio Marcuschi, tendo falado com ele tão-somente uma ou duas vezes quando era calouro da Universidade Federal de Pernambuco: aliás, foi a primeira vez que vi um Apud em carne e osso. Mas, nos textos e nas citações, nossa amizade revela-se algo profundo.

Tive o desprazer de conviver com alguns acadêmicos que se utilizaram da “grife” Marcuschi para se autopromoverem. Afinal, ser discípulo de um pensador renomado como ele abre portas, coisa que para certa raça de incompetentes, incapazes sequer do esforço de girar uma maçaneta, é indispensável.

E, enquanto o pensador convalescia, após um acidente vascular, seu nome continuava vagando em trabalhos acadêmicos, muitos deles herdeiros de uma época em que Autoridade era sinônimo de argumento, lá no distante Feudalismo, tão vivo ainda na inconclusa síntese dialética que caracteriza a história brasileira.  Será que Marcuschi acharia razão para Temer diante da onda dialética atual, que beija as margens da democracia e lambe a orla da ditadura?

Marcuschi, homem de luzes, discípulo de Copérnico e de Galileu (numa versão mais destemida), desafiou o monopólio inerte da Morfologia e da Sintaxe, introduzindo nas veias da Linguística o vírus do dinamismo interdisciplinar. Convidou para celebrar a vida da linguagem autores como Althusser, Bakhtin, Pêcheux, Chomsky, detre outros: sempre contando com o apoio de amigos como Ingedore Koch.

Só sei que minha visão sobre a língua e a comunicação transformou-se por completo em contato com as ideias de Marcuschi, para quem a Internet e as tecnologias eram algo além de artefatos: eram gêneros linguísticos e, por sua vez, os gêneros eram mais do que categorias classificadoras: eram o vital questionamento das classificações ou o tenso diálogo entre classificação e contradição, tão característico da vida.

Como não associar esta linha de pensamento com o atual momento cravado de diálogos sociais que expõem a tensão entre as classificações e o questionamento de estereótipos e hierarquias, particularmente no que diz respeito a temas-tabu como sexualidade e gênero (fronteiras entre masculinidade e feminilidade).

Presenciando o viço do pensamento de Marcuschi não consigo deixar de me assustar ao ver jovens com menos de 30 anos partidários de classificações sociais toscas, que buscam, desesperadamente evitar a inevitável derrocada de crenças irrefletidas como a de que uma pessoa pode ser definida pela idade com que se casou, a cor da roupa que veste ou a música que ouve.

Que possamos nos encontrar nas citações da estrada, citações à moda de Walter Benjamin: capazes de arrancar a origem do pobre e mesquinho começo e transformá-la em erupção, desestabilizando a linha do tempo em seus diferentes pontos, as certezas fúnebres, que os argumentos de autoridade costumam transportar em seu féretro.

Não posso desejar que Marcuschi descanse em paz porque acho que o que ele menos gostava de fazer era descansar e sua paz, a julgar por suas reflexões, era o que Padre Zezinho denomina Paz Inquieta.

Por isso, desejo que o desejo continue a te guiar e surpreender nas paragens aí onde os pretextos perdem a razão de ser.

Dedico este texto (pretexto?) a uma pessoa de sobrenome Tell, cuja companhia no caminho de volta é um tesouro que quero voltar a ter.

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