Encarte de DVD pertencente à Coleção Luiz Antônio Marcuschi Fonte: Blog da Pipa Comunicação |
Não sei bem, mas acho que foi um teórico chamado Peter
Sloterdjik que definiu a citação como um “encontro entre amigos que talvez
jamais se conhecerão”.
Pois bem, não estreitei laços com Luiz Antônio Marcuschi,
tendo falado com ele tão-somente uma ou duas vezes quando era calouro da
Universidade Federal de Pernambuco: aliás, foi a primeira vez que vi um Apud em
carne e osso. Mas, nos textos e nas citações, nossa amizade revela-se algo profundo.
Tive o desprazer de conviver com alguns acadêmicos que se
utilizaram da “grife” Marcuschi para se autopromoverem. Afinal, ser discípulo
de um pensador renomado como ele abre portas, coisa que para certa raça de
incompetentes, incapazes sequer do esforço de girar uma maçaneta, é
indispensável.
E, enquanto o pensador convalescia, após um acidente
vascular, seu nome continuava vagando em trabalhos acadêmicos, muitos deles
herdeiros de uma época em que Autoridade era sinônimo de argumento, lá no
distante Feudalismo, tão vivo ainda na inconclusa síntese dialética que
caracteriza a história brasileira. Será
que Marcuschi acharia razão para Temer diante da onda dialética atual, que
beija as margens da democracia e lambe a orla da ditadura?
Marcuschi, homem de luzes, discípulo de Copérnico e de
Galileu (numa versão mais destemida), desafiou o monopólio inerte da Morfologia
e da Sintaxe, introduzindo nas veias da Linguística o vírus do dinamismo
interdisciplinar. Convidou para celebrar a vida da linguagem autores como
Althusser, Bakhtin, Pêcheux, Chomsky, detre outros: sempre contando com o apoio
de amigos como Ingedore Koch.
Só sei que minha visão sobre a língua e a comunicação
transformou-se por completo em contato com as ideias de Marcuschi, para quem a
Internet e as tecnologias eram algo além de artefatos: eram gêneros
linguísticos e, por sua vez, os gêneros eram mais do que categorias
classificadoras: eram o vital questionamento das classificações ou o tenso
diálogo entre classificação e contradição, tão característico da vida.
Como não associar esta linha de pensamento com o atual
momento cravado de diálogos sociais que expõem a tensão entre as classificações e o questionamento
de estereótipos e hierarquias, particularmente no que diz respeito a temas-tabu
como sexualidade e gênero (fronteiras entre masculinidade e feminilidade).
Presenciando o viço do pensamento de Marcuschi não consigo
deixar de me assustar ao ver jovens com menos de 30 anos partidários de
classificações sociais toscas, que buscam, desesperadamente evitar a inevitável
derrocada de crenças irrefletidas como a de que uma pessoa pode ser definida
pela idade com que se casou, a cor da roupa que veste ou a música que ouve.
Que possamos nos encontrar nas citações da estrada, citações
à moda de Walter Benjamin: capazes de arrancar a origem do pobre e mesquinho
começo e transformá-la em erupção, desestabilizando a linha do tempo em seus diferentes pontos, as certezas fúnebres, que os
argumentos de autoridade costumam transportar em seu féretro.
Não posso desejar que Marcuschi descanse em paz porque acho
que o que ele menos gostava de fazer era descansar e sua paz, a julgar por suas
reflexões, era o que Padre Zezinho denomina Paz Inquieta.
Por isso, desejo que o desejo continue a te guiar e
surpreender nas paragens aí onde os pretextos perdem a razão de ser.
Dedico este texto (pretexto?) a uma pessoa de sobrenome Tell, cuja companhia no caminho de volta é um tesouro que quero voltar a ter.
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