Pintura: Georges Malkine |
Existe no coração de algumas várias pessoas o desejo de
brutalizar o amor alheio
Incapazes de compreender o tempo e o espaço alheios,
regozijam-se
Ao expor a intimidade alheia em praça pública
E, nessas bocas recheadas de calúnia dentada,
Os outros deixam de ser indivíduos e são metonímica e
farsantemente
Reduzidos a genitálias ambulantes
“Fulano é um dador de cu, Fulana é uma boceta afolosada”
Ou então reduzidos a cansados clichês
“Ciclana é uma sapatona, ciclano é algum animal silvestre...”
O estupro da intimidade não é crime previsto no Código Penal:
ainda...
Mas, quem é acostumado a praticá-lo não se deu conta de que
já está preso
E jogou a chave fora
É uma pena seguir, indo de lá pra cá, desfilando sua prisão
perpétua:
A incapacidade de respeitar a arquitetura do amor alheio
De Rir do que realmente é engraçado
Sem precisar tingir o outro com tons de hipérbole, mau-gosto
e desespero
A fim de trazer surpresa à inércia e sabor ao tédio
Tantos idiotas ainda não perceberam
Que o verdadeiro enrustido é quem precisa lançar na cara da
sociedade
Os suores, os humores, os sêmens, os gritos, os sussurros,
as caretas, os prazeres e segredos
Brotados no jardim das alcovas
Não preciso citar Gilberto Freyre para prever que, em breve,
Chegará o tempo em que o recalque será descascado
E falar do amor dos outros voltará a ser deixa para a
gentileza e a poesia
Os corpos, templos do Espírito, não terão sua nudez
deturpada
Pela opinião desocupada de quem parece ter esquecido como é
morar em si mesmo
O estupro da intimidade se tornará algo repudiável
Assim que for descoberto que a nudez sempre foi a mais linda
veste
E aí, então, muitos beijos terão coragem de ser dados
Muitas mãos terão licença para se dar
Muitos segredos poderão tomar banho de sol na praia do
sossego
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