22 de abril de 2012

Reportagens de carne e osso


Fonte: Blog Substantivu Commune


Tem feito sentido a determinação do Supremo de pôr fim à obrigatoriedade do diploma jornalístico. Boa parte de bem dizer todas as pessoas têm se auto-medicado com o que chamaria de jornalismo do futuro, no qual as notícias não são impressas em papel nem na virtualidade do ciberespaço. A plataforma de impressão das notícias passa a ser o próprio ser humano. 

Neste novo tipo de jornalismo, as pessoas fazem umas das outras manchetes. E, como boas manchetes (?), declaram o outro culpado até que a verdade se canse de provar o contrário. Onde há mistério, a manchete estampa terror. Onde há contradição, a manchete estampa perversão. Onde há manchete, mesmo não havendo palavras, estampa-se o crime.

Transformadas em manchetes, as pessoas se tornam absurdo condensado, pronto para ser degustado pelo medo, pela preguiça, pela crueldade, pelo delírio, pela tirania ou pelo fanatismo: uma das seis motivações que dão razão de ser ao esforço humano de fazer resumos.

Quando as pessoas têm um pouco mais de boa-vontade, em vez de fazer das outras manchetes, transformam-nas em leads, o texto inicial que abre a maior parte de todas as reportagens. O lead pode ser descrito como a tentativa de transformar em informação automaticamente digerível algumas das mais difíceis perguntas já inventadas: quem, como, quando, onde e por quê?

Diferentemente do jornalismo tradicional, o jornalismo que faz das pessoas reportagens ambulantes, dispensa a entrevista ou, no máximo, contenta-se em pintar um retrato pleno do outro com base em algumas míseras perguntas. Como se fosse possível pintar o mais perfeito quadro depois de observar, por meio das brechas da vontade de julgar, o modelo posar tão somente meia vez.

Esse tipo de jornalismo confia mais na assessoria de imprensa realizada pela empresa disse-me-disse, cujos membros se formam na faculdade da desconfiança e da raiva, tendo sido diplomados antes mesmo de passar no vestibular.

Assim como o jornalismo tradicional, o jornalismo do qual estamos falando protege suas fontes. Protege tanto que tenta fazer da fofoca uma ilustre senhora vestida ora de “justiça implacável”, ora de “verdade austera”.

A obrigação jornalística de narrar os fatos, com base em depoimentos dos dois lados envolvidos na questão noticiada, também é seguida à risca. O mais importante para os que buscam fazer dos outros reportagens de carne e osso é forjar um encontro entre os pontos de vista opostos; criar consensos como Frankenstein cria amigos.

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