14 de novembro de 2018

Stan Lee, o último filósofo do Iluminismo?


Uncanny X-men #251
Autores: Chris Claremon e Marc Silvestri
Stan Lee - publisher


Stan Lee foi, provavelmente, o principal “culpado” por uma hipótese que me persegue desde que elaborei o TCC e, se tudo correr bem, renascerá das cinzas na minha pesquisa de pós-doutorado 

Criador e recriador de mitos, no universo Marvel, iniciado nas HQs e consagrado no cinema, o americano traduziu, em formato de histórias de super-heróis, a dialética do Iluminismo, objeto de reflexão dos teóricos da Escola (de pensamento) de Frankfurt na primeira metade do século XX 

Correndo enorme risco, podemos resumir a noção de dialética do Iluminismo –  em alusão ao movimento iniciado no século XVIII - como o conflito entre a emancipação e o terror no coração da história 
contemporânea. História mesma que apostou na ideia da evolução contínua, mas, em nome de nobres ideais (razão, igualdade, liberdade e fraternidade, ordem e progresso) foi capaz de produzir horrores como os fascismos e as guerras mundiais 

A figura do super-herói passeia ao longo da história, tomando emprestado luzes e sombras de heróis greco-latinos, escandinavos, dos cavaleiros medievais e principalmente do herói romântico, no qual habita a inusitada promessa de combinar o demasiadamente humano à centelha de divindade vinda até nós trazida por uma tempestade emanada do paraíso perdido 

A obra de Stan Lee, em particular os X-men, expõe a fratura entre luz e trevas na alma dos super-heróis, revelando o quão desgraçados podem ser os pré-requisitos para se ser alguém divino: a onisciência, a onipotência e a onipresença 

Os mutantes, criados por Stan Lee, não têm controle sobre os poderes como costumavam ter os heróis tradicionais a exemplo do Super-Homem, expressão ultra-idealizada do homem iluminista 
Os mutantes telepatas como Jean Grey são atormentados pelo dom de ter acesso indiscriminado ao que as pessoas pensam 

A personagem Vampira poderia se vangloriar de sua habilidade de, ao toque, extrair dos outros memórias, poderes e energia. Contudo, esta versão do toque de Midas, assim como no mito, aponta a frágil fronteira entre bênção e maldição. Vampira é condenada a não poder ter nenhum tipo de contato corporal com os outros sem fazê-los correr o risco de morrer. Além disso, ao absorver a energia vital alheia, ela vê mente, corpo e espírito ameaçados por ondas de esquizofrenia 

Os mutantes, ao contrário do herói clássico greco-latino, não representam a fusão entre o bom, o belo e o justo

Alguns, na aparência, poderiam ser encarados como representantes da normalidade institucionalizada, mas são perseguidos pelo que os faz extra-ordinários. Nesse contexto, não há mais muita diferença entre ser extra-ordinário e ser anormal, anômalo, amaldiçoado

Outros que, sob a égide dos padrões, seriam considerados corporalmente limitados têm habilidades prodigiosas. Esta surpreendente combinação terminam por mostrar como nossos juízos a respeito do que é prodigioso e do que é anômalo são assombrados pela ignorância, pelo fanatismo e pela hipocrisia 

Stan Lee foi um dos grandes responsáveis por ampliar a capacidade discursiva dos mitos e alegorias, que deixam de ser, prioritariamente, espelhos da autoimagem de um povo (os gregos, por exemplo)  ou ferramenta de doutrinação, a exemplo das alegorias medievais, e tornam-se plataformas de crítica e debate filosófico, desafiando, em tempo real, as certezas que tentam tomar conta das consciências e contribuindo para evitar que os fascismos e outros fantasmas ameacem as melhores invenções do Iluminismo: a liberdade e o direito humano de ser digno de existir 

Quem admira Stan Lee não pode deixar de ler a história X-men: Dias de um futuro esquecido, na qual o autor faz um paralelo entre os campos de concentração nazistas e campos de concentração de um futuro distópico no qual os mutantes são igualmente vítimas 

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