8 de dezembro de 2015

Por que Jesus chamava Maria de Mulher e não de mainha?: reflexões sobre a figura da Imaculada Conceição


Foto: Cláudio Eufrausino


Soa estranho quando, ao se referir a sua mãe, Maria, Cristo usa, diferentes vezes, somente a expressão “Mulher”. Algo que pode ser interpretado como um tratamento rude, machista e desdenhoso. Afinal, a cultura nordestina está habituada a reservar às mães títulos mimosos como mainha e, dificilmente, abre mão do pronome Senhora para tratar as progenitoras.

Os evangelhos relatam que, certa ocasião, Cristo foi avisado que sua mãe e seus irmãos estavam a sua procura, havendo indagado ao portador da notícia: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? ”.
Mesmo sem ser teólogo, arrisco-me a dizer sim à tentação de refletir sobre este aparente descaso e grosseria que o discurso de Jesus parece oferecer a Nossa Senhora.

Em um livro poético chamado Ofício da Imaculada Conceição – um texto escrito em latim, no século XV, pelo Frei Bernardino de Bustis – percebe-se que a Virgem Maria é, talvez, a figura bíblica à qual se faz mais alusões. Estas alusões não se limitam a referências pessoais. Abrangem remissões feitas a lugares e a objetos sagrados. Daí, a Virgem ser comparada à Arca da Aliança, à Porta do Céu, ao Trono de Salomão, a uma Cidade guarnecida de Torres, ao Lírio e também a estados corporais, como atesta um dos versos que a chama de “Saúde dos Enfermos”.

Maria é comparada, na obra do Frei de Bustis, a mulheres que tiveram destaque no Antigo Testamento, como Judite, conhecida por utilizar seus encantos para seduzir o rei de uma nação inimiga de Israel. Aproveitando-se do sono profundo pós-gozo do rei, Judite o decapita e, assim, liberta os hebreus da escravidão. De maneira semelhante, Maria consagra sua pureza a Deus, a fim de gerar a salvação do mundo, personificada pelo Messias.

Porém, as duas alusões mais interessantes associadas a Maria são o título de Estrela da Manhã e de Eva.

Estrela da Manhã, ou Lúcifer, era o modo pelo qual era conhecido o Satanás quando pertencia à corte celeste, antes de se tornar um anjo caído. Ao ser chamada de Estrela da Manhã, Maria redime a sombra demoníaca (a estrela caída) e devolve à figura da Estrela a potência imagética, associando-a um novo momento histórico: o nascimento de Cristo.

Maria também é comparada a Eva. Na verdade, ela será chamada de nova Eva, em decorrência de Cristo ser chamado de novo Adão, ou, em outras palavras, do Adão que deu certo, por representar a perfeita aliança entre Deus e o ser humano. Maria também sela a nova e eterna aliança do divino com o humano. “Esmaga a cabeça da serpente” e, por isso, ganha o título de nova Eva, nome que significa “Mãe de todos os viventes”.

É desta comparação de Maria a Eva que se pode extrair o porquê de Cristo chamar Maria de Mulher.
Na boca de Cristo, Mulher se torna um título honorífico. Maria é a Mulher, por excelência, trazendo a graça e as dores de todas as mulheres. Isso porque assumiu o risco de ser uma mãe solteira, foi uma mulher refugiada, como as mães que fogem com os filhos, tentando salvá-los de regimes totalitários. Foi também uma mulher mãe de uma criança perdida e, mais à frente, teve o filho preso e assassinado como as mães de filhos das ditaduras.

Votando ao relato dos evangelhos e à pergunta feita por Cristo: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? ”. Jesus responderá: “Minha mãe e meus irmãos são todos os que seguem a vontade de meu Pai”.

O aparente desdém com relação a Maria esconde outro elogio: a figura de Maria não se resume a um só momento histórico. Ela encontra reflexos nos gestos de homens e mulheres do passado e do futuro, que, assim como ela, assumem o risco de fazer escolhas que permitam nascer o amor e a luta pela emancipação humana.

É uma figura que não fica presa a uma só referência, mesmo que esta referência seja ela mesma. Por isso, Maria de Nazaré assume a feição de inúmeras Nossas Senhoras espalhadas pelo mundo inteiro.

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