21 de junho de 2013

Recife pediu licença para protestar em paz com ajuda de Zélia Duncan




Foto: Cláudio Eufrausino (20/06/2013)

Ouvi muito frases do tipo: Ontem todos no Recife eram um só coração, uma só voz, uma só luta!

Não, a beleza do que aconteceu ontem não está numa suposta homogeização coronariana da população. Bonito foi ver apenas vinte centavos tornarem-se uma fortuna, desfiados como contas do rosário das diversidades.  

Geraldo Vandré foi o grande homenageado, pois sua profecia se concretizou: as flores, não só venceram como fizeram murchar os canhões. Outra homenageada foi Jan Rose Kasmir, que ameaçou as forças armadas do Pentágono com une petite fleur blanche.

E a inteligência subestimada dos pernambucanos-brasileiros-latinos-americanos fez conexões que, há muito, mereciam ser feitas: como a de que não se pode pleitear a democracia num país em que se propõe que o ser humano seja curado do direito de existir. 

Quanta tristeza assistir desavisados apoiando a extinção da homossexualidade, enquanto seguem tomando no cu imposto atrás de imposto, assalto atrás de assalto, engarrafamento atrás de engarrafamento, Upa atrás de Upa: centavo atrás de centavo.

Eram vários corações batendo em ritmos os mais diversos transformando em trocado os impulsos fascistas de uniformização das atitudes que alguns canalhas querem acrescentar ao absurdo rol de impostos que oprimem a nação. Se rasgar dinheiro é coisa de doido, então eram muitos doidos que estavam ali, porque rasgaram vinte centavos e, com os destroços, criaram alimento para 50 mil (?)

Che Guevara tremeu de alegria em sua morada celeste, pois seu lema era texto implícito de todos os cartazes que povoaram o protesto. Havia ternura na atmosfera. Não havia pensado que viveria para estar numa manifestação onde as pessoas pediam licença umas às outras. Não houve rendição nem à violência nem à tendência, à brasileira, de transformar tudo em carnaval para, no dia seguinte, retornar ao conformismo que nos reduz a cinzas de uma apática quarta-feira, que acha normal não ter o que comer, mas afirmar que dez centavos é nada.

Um rapaz foi espancado por um infeliz. Mas foi amparado por um cordão de isolamento composto de manifestantes, que não abandonaram o cenário do crime, como é nosso hábito fazer, entendendo que a violência e a miséria não teriam nada a ver conosco a não ser quando arrombam a porta de nossas casas.

Cantou-se o hino nacional. Não em memória do fascismo do Movimento Integralistas, mas sim para desintegrar as memórias dos fascismos que, centavo a centavo, são destilados em nosso dia a dia e, disfarçados de atitude banal e corriqueira, ancoram nossas mentes à mentira de que é nosso destino sermos uma pátria de degredados, condenados à miséria, ou de degradados, condenados a almejar como mérito a vantagem escusa e o compadrio. Ah,meu amigo, pegue seus vinte centavos e coloque no SUS!

Encontrei um grupo de amigos do Aikidô, no caminhar pela Boa Vista rumo à Aurora. Não era mera coincidência, visto que Aikidô é uma luta que abre mão da violência para vencer o “adversário”, ensinando-o o melhor jeito de cair. Sentia nas pessoas essa vontade de ajudar uns aos outros a cair, transformando a queda em plataforma de voo: Seria este o traje que a esperança desfilava naquela tarde efervescente de véspera de inverno.

Tive o desejo egoísta de converter aquele momento em eternidade, mas não seria justo, pois é muito lindo sonhar que as pessoas têm o direito de construir seu próprio caminho com direito aos descaminhos que dele brotarem.

Seis da tarde: a hora do Ângelus. No furacão dos meus pensamentos, o Nobre Alguém era uma brisa ranzinza que protegia meu caminhar (e que, talvez e infelizmente, não tornasse a ver). Eu não trazia cartaz, não pintei a cara, mas o meu coração trazia escrito um pleito que pedi emprestado de uma música de Zélia Duncan: “Por favor, não vá ainda. A noite é linda: me espera adormecer”. Queria que este Alguém não deixasse de fazer parte da Nova Aliança. Mas, o que mais quero mesmo é que, onde quer que seus passos estejam, seu espírito traga um cartaz onde a felicidade estampada seja tão grande que não tenha palavras para se expressar.

Fotos: Cláudio Eufrausino







































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