10 de maio de 2013

Quando Platão e o ex-planeta Plutão foram ao Varilux para ver Ferrugem e Osso




Cena de Ferrugem e Osso

83 anos atrás, Plutão foi descoberto por um astrônomo amador chamado Clyde Tombaugh, enquanto testava um novo tipo de câmera, projetada para descobrir novos planetas.

Em 2006, a União Astronômica Internacional (UAI) decidiu criar uma definição formal de planeta, que fez Plutão deixar de ser considerado um: Intriga da oposição.

Atualmente, Plutão é considerado um planeta-anão. O que mudou? 

Um planeta anão é menor, mas, do mesmo jeito que um planeta “normal”, orbita em volta do Sol e possui gravidade suficiente para assumir uma forma esférica e manter equilíbrio hidrostático.

Porém, no noveau regimé, não há espaço para um planeta que não possui sua órbita desimpedida. Plutão foi destituído por ter asteroides (entenda-se: pequenos astros) em sua trajetória.

Dizem que Plutão, que, na opinião dos astrólogos, tem uma séria tendência à melancolia, ficou bastante deprimido quando cortaram suas asas e lhe tiraram o direito de ser um planeta. 

Algo semelhante acontece com Stephanie, personagem interpretada pela atriz Marion Cotillard no filme Ferrugem e Osso, produção franco-belga dirigida por Jacques Audiard. Stephanie é uma encantadora de baleias que, depois de um acidente durante uma das apresentações no parque aquático em que trabalhava, teve suas pernas amputadas. O roteiro é baseado nos contos "Rocket Ride" e "Rust and Bone", do livro Rust and Bone, do canadense Craig Davidson.



Interpretado pelo ator Matthias Schoenaerts,  Ali também enfrenta a síndrome de Plutão, vindo de uma trajetória atravessada por muitos percalços e aparentes frustrações como a de não ter levado adiante uma carreira como boxista após a morte de seu treinador. Mas, ao contrário de seu “planeta regente”, é um personagem não afeito à tendência de fazer de cada gota d’água um mar vestido de luto.

Ali vive fazendo bicos para sustentar o filho de cinco anos, criado por ele após a mãe da criança ter sumido. Conhece Stephanie numa boate na qual trabalhava como segurança. Depois de deixá-la em casa, entrega-lhe o número do celular e diz que ela pode entrar em contato quando quiser. E ela fará isso ao receber alta depois do acidente.

O filme se desenrola em torno da despretensão. Ali não tem pretensão de viver um grande amor. Stephanie não espera por milagres. Os dois começam uma amizade e despretensiosamente Ali convida Stephanie para fazer sexo quando ela cogita a hipótese de não ser mais capaz de sentir prazer após tanto tempo em stand by.

O que poderia ser resumido como uma “amizade colorida” com risco de gerar vínculos fúteis revela-se um tipo de laboratório, onde com valentia se combinam os elementos químicos consideração e desprendimento. Isso, levando-se em conta que, no que se refere ao sentimento, a explosão pode vir antes da reação química. 

As relações humanas descem do pedestal. Envolvem  não só trocas gasosas,  mas troca de celulares, troca de fluidos corporais, de traumas e também de vazio e futilidade. O cativante é ver que os dois personagens conseguem se amar sem que seja preciso a eles trocarem super-poderes.  São covardes, sem precisar ser super-covardes e leais sem precisar ser super-leais. É um filme do Nouveau Régime, isto é: Absolutismo = #tô fora.

A esperança é leve, os recomeços são leves, a superação dos traumas é feita de forma leve e a superação da ideia de que a superação completa é urgente e necessária também acontece com leveza. Até as baleias bailarinas são leves...

Os personagens seguem, de leve, a recomendação de Platão e saem da caverna, mas não para se cobrarem a, do lado de fora, encontrarem a luz plena e incomparável, como se fosse possível transformar a caverna em cabide e deixar as sombras penduradas lá. Tomam banho de luz vestidos com equívoco, insegurança, sombras e tudo. Não se incomodam de sair para respirar a brisa intergaláctica, a despeito dos asteroides que cercam seus caminhos.

Uma cena que elucida a metáfora do parágrafo anterior é quando Stephanie descobre que, mesmo sem parte das pernas pode nadar, embora só consiga entrar no mar quando carregada por Alguém.  É quando ela percebe que a vitória sobre os limites não precisa ser o pesado compromisso de apagar as limitações do mapa da existência. Vencer um limite abre portas para outros limites. Que o diga Plutão que, sendo ou não planeta, continuará gravitando em torno do Sol: sendo carregado sem que precise parar de girar em torno de si mesmo. O que Platão teria a dizer sobre isso?

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