Whitney Houston cantando "I Didn't Know My Own Strength" na premiação American Music Awards de 2009 Fonte: UOL Entretenimento |
A Whitney Houston, com minha admiração
A fama, desde muito tempo, é um contrato, uma obrigação estabelecida entre partes. Uma destas partes, o ídolo; a outra parte é o algoz, ou seja, o fã.
A proximidade sonora entre as palavras fã e afã não é casual. O fã é aquele que é tomado pelo afã, isto é, por sentimentos de sofreguidão, afobação, aflição, ansiedade e uma parcela de zelo e cuidado.
As adjetivações utilizadas para demarcar a posição do ídolo, com relação ao fã, dão ideia do peso da obrigação que envolve estas duas partes contratantes. O ídolo é representado como uma estrela, ou seja, um ser de luz própria que tem de fazer da própria solidão combustível para cumprir a obrigação de brilhar continuamente.
É um brilho paradoxal, pois se exige do ídolo que ele reluza em plenitude, mas se cobra dele que seja capaz de, com sua luz, curar dores e vazios de pessoas vitimadas pela sombra do complexo de inferioridade.
E, quão cruel as demandas para o astro. Exige-se dele que seja, ao mesmo tempo, o pleno domínio da técnica e da emoção. O astro, como um artista na corda bamba, é obrigado, contratualmente, a não cair: no máximo leves oscilações para satisfazer a pequena dose de sanha sádica que há no coração do fã.
Tomando emprestada a expressão cunhada por Aldous Huxley, pode-se dizer que se espera do ídolo que ele seja um exímio engenheiro da emoção, capaz de ser, na medida exata, a tristeza, a alegria, a raiva, a quietude e, até mesmo, o ridículo, que, na medida certa, fará dele uma ousada “divindade”. Do ídolo é cobrado que seja um exímio chef de cuisine, que serve a si mesmo como prato principal na pedra de sacrifício dos vazios do ser humano.
Como se sabe, as estrelas que brilham no Céu já estão, em sua maioria mortas. A luz que vemos é um efeito retardado do brilho que viaja milhares de anos-luz até impressionar nossas retinas. Nessa constatação, percebe-se como as metáforas que utilizamos podem esconder secreta crueldade. Aqueles obrigados a brilhar, ao aceitarem o pseudônimo de astros e estrelas, são a crônica de uma morte anunciada.
Coroamos o astro com uma “plenitude” alicerçada nas nossas próprias frustrações. Esta“plenitude” é edifício frágil erguido pelo som do aplauso e desmoronado pelo som da vaia. E, como diria Brecht, aplauso e vaia são igualmente impostores: refletem a cruel obrigação imposta aos ídolos: de serem eternidade erguida sobre escombros de frustração e efemeridade.
Como se situam as divas, os astros, os fenômenos, os gênios, as sumidades: situados às margens de paradoxos que querem tragá-los para o abismo?
A linda música One moment in time, interpretada por Whitney Houston, reflete alguns destes paradoxos. Exemplo é a cobrança, feita na letra desta canção, de que se seja vencedor a vida inteira: vencedor de uma vitória representada pela pressão de ser uns poucos instantes de “glória” congelados no tempo ou de ter sempre todas as respostas ou tornar a distância de realização dos sonhos menor que o intervalo entre um batimento cardíaco e outro.
O amor do fã traz num bolso secreto pedras preparadas para serem atiradas no ídolo. Estas pedras têm endereço certo: as marcas do tempo e o tédio que o fã projeta nos gestos do ídolo. O pecado do ídolo é aceitar deitar-se com as frustrações e o medo da morte, que assolam a humanidade cruel e sedenta.
Diferente da relação entre fã e ídolo é a admiração. Quando se admira alguém, coloca-se este alguém não na vaga de uma divindade que se tenta substituir. Como o prefixo “ad” indica, admirar é unir-se com outra pessoa em pensamentos, palavras, atos e, até mesmo, omissões, para mirar a luz. Quem admira busca com o outro o caminho e, ao menos, dispõe-se a enfrentar com ele as sombras e os efeitos do tempo e da distância.
A admiração não se nutre da eternidade ou da efemeridade, mas sim da intensidade do tempo gravado na companhia humana (do outro e de si mesmo). Para a admiração, não há fórmulas, trejeitos ou roteiro e quem admira sempre acaba quebrando cláusulas contratuais.
Na música One moment in time, também está refletido o significado da palavra admiração: o instante do tempo em que o eu se dá conta de que “I'm only one, but not alone” e se dispõe a, junto a outros alguéns, buscar “the finest day” que “is yet unknown”.
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