22 de fevereiro de 2012

Peguem suas máscaras! O Carnaval foi invadido pelo totalitarismo!


Bebeus - pintura de Marcos Bastos (óleo sobre tela)


A relação entre o carnaval e a quaresma – período iniciado na quarta-feira de cinzas - é uma tentativa de administrar dois apelos básicos da cultura:  à repressão e à liberação.

O comum seria pensar o carnaval como relacionado à liberação e a quaresma ao controle dos instintos. Mas tem-se observado um modo estranho de a repressão se infiltrar no carnaval.

Um dos fatores que caracterizam a liberação é que a ambiguidade ganhe voz. No tempo comum, o binarismo é a regra. Nisso, a era dos computadores é ultraconservadora, pois, com seus códigos binários, reafirma a lógica cultural predominante ao longo da história: Ou é ou não é, Ou quente ou frio... O carnaval, ao redimir a ambiguidade, salva o morno (o que está entre o quente e o frio, a região de nuances entre o branco e o preto) de ser vomitado.

A máscara, um dos principais símbolos da festa carnavalesca, mais do que ocultar, expõe a dimensão ambígua da identidade. O mascarado expõe a tensão humana entre diferentes identidades. Coisa que o tempo comum tenta velar por trás do mito da identidade centrada.

O carnaval brinca com a fronteira entre pobreza e riqueza, entre masculino e feminino. Porém, o que tem acontecido, nesse período, é o esforço de alguns para tornar imóveis essas fronteiras, quando não para aniquilar a alteridade. Isso, em certa medida, explica atitudes como a de pessoas que, durante o carnaval, resolvem atear fogo em mendigos, “brincando” de aniquilar o que consideram ser intolerável: a presença da diferença.

Semelhante intolerância à diferença aconteceu durante a apuração do resultado do desfile das escolas de samba de São Paulo. A violência e a estupidez que foram presenciadas expressam um desejo não só de boicotar a diferença como de silenciá-la, de jogar fora não só a ambiguidade (a fusão entre identidades), mas também o binarismo (a oposição entre as identidades).

Estranhamente, busca desfilar no carnaval o anseio totalitarista por uma cultura em que o fantasma de uma voz única - livre da ambiguidade e do binarismo - reine absoluto. Este anseio sem face e sem nome tem sido posto em prática sem que se recorra a qualquer máscara.

As pessoas condenam o uso de máscaras, acusadas de ser inimigas da franqueza. Mas, o uso da máscara, no carnaval, alerta para o perigo que a franqueza total pode representar, quando se torna máscara descarada da ausência de limites à ultrapassagem dos limites.     ´

Esse mundo - Vange Leonel

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