9 de fevereiro de 2012

A força orgiástica do perdão e da amizade na poesia de Wando


Não conheci Wando, mas sei que ele era um grande amigo. Isso porque só um grande amigo para dizer que você não é puro e jogar na sua cara que seu passado é digno de te machucar. Mas, um grande amigo diz isso não sem antes dizer que é capaz de se virar do avesso para te abraçar e pedir que, depois da mágoa, você espere o amanhã, quando os corações estarão prontos para se entregar de novo um ao outro.

Meu amigo Wando, que não tive o prazer de ver pessoalmente, mas que conheci pessoalmente, pois nada mais pessoal que a vontade de não ter vergonha, vontade esta impressa na familiaridade intraduzível da melodia de suas músicas.

A vontade de não ter vergonha é uma potência de primeira grandeza. Para muitos não ter vergonha é sinônimo de devassidão. Mas, quando se devassa a falta de vergonha, em busca de outros significados, percebe-se que o brilho da sem-vergonhice é de vastidão maior. A sem-vergonhice mais brilhante é a de quem desafia o pudor de perdoar e de aceitar o perdão. E, ao menos de quando em vez, vale a pena trairmos nossos parceiros fixos – a sede de julgar e de não se render - e nos arreganharmos para o desejo de nos darmos ao perdão e de darmos o perdão.

Enganam-se os que pensam que o erotismo era a maior chama da poesia de Wando. Em suas canções e atitudes, Wando incita o perdão. 

A mulher que se rende ao prazer orgiástico de comer pêssego em calda, dado em sua boca por um poeta, não é uma devassa, mas sim uma mulher que aceitou perdoar a si mesma por trair a moral castradora. 

Conheci uma senhora, já de idade avançada, que vivia em casa ruminando o silêncio e a seriedade. Mas, ao ir a um show de Wando e passar pela terapia do pêssego em calda, riu o riso debochado da liberdade.

Wando perdoa, em suas músicas, o amor vira-lata, aquele capaz de ser intenso a ponto de se tornar amizade. E de se doar, ao menos de vez em quando, à força vagabunda do perdão e de demitir, ao menos de quando em vez, o recato da intransigência.

Em uma certa poesia, Wando compara as marcas que o amor deixa ao cio de uma loba e ao uivo de um cão. Durante anos, não achei uma interpretação para essa imagem poética. Hoje, arrisco uma hipótese. O cio de uma loba é escandaloso como um amor incapaz de se doar e que, ao se negar a chance de perdoar e de ser perdoado, vive à espera de uma esperança que nunca chega.

Muitas vezes, somos tão seguros de nós em nosso orgulho de nos negarmos a perdoar e a aceitar o perdão. Somos tão preocupados em estarmos certos e esquecemos que tanta certeza pode ser, em certos casos, apenas um espinho que mantém nosso pé suspenso no ar da soberba. E, enquanto não aceitamos ser erro, ao menos de vez em quando, não conseguimos encarar o fato de que, na real, não há caminhada sem se colocar no chão os pés calçados pelos espinhos dos relacionamentos.


Música "Minhas amigas" - com Nando Reis


A música "Moça"


A música "Chora coração"


A música "Amor vira-lata"

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