27 de dezembro de 2011

O que comprar com a Mega da Virada: Caruaru, Londres ou a distância?

CHARING CROSS STATION, London. People walking beside a stationary train on platform 4 with the station roof reflected in a puddle in the foreground. Date range 1960-1972. John Gay.



A pergunta do ano, cujo prazo de validade começa e finda no mês de dezembro: o que você faria se ganhasse a Mega (Sena) da Virada?

De saída, não gosto dessas perguntas com tempo condicional, apelidado em Português de Futuro do Pretérito. Meu cérebro trava quando tenta pensar sobre o que fazer num futuro que não existe e que, ainda por cima, depende de um “se”, que também não existe, para pensar em existir... Como hoje acordei de bom humor (mentira), deixo o futuro do pretérito para o irritante Montesquieu com suas brilhantes ideias e sua resplandecente falta de coragem de expô-las.

Adorei (mentira, somente gostei) uma resposta de um amigo do curso de Francês. Ele disse que dividiria os 170 milhões de reais da Mega da Virada em duas partes. Ficaria com 60 milhões e doaria os outros 110. Afinal, argumentou ele, qual a diferença de ser milionário tendo 60, 110 ou 170 milhões? 

Jovem lúcido. E acrescentou ele: “Com ou sem esse dinheiro, eu faria as mesmas viagens, tudo que já faço”. Esse meu amigo é rico, mas não foi o esnobismo que regeu esta frase.  Lucidez: os caminhos e as viagens continuam as mesmas com 60, 110 ou 170 milhões. 

Mas, diriam meus opositores, quem tem mais pode viajar mais e encurtar as distâncias com a potência dos veículos, dos aviões...

Não nos enganemos. David Harvey está certo ao dizer que a toda compressão do tempo-espaço está associada uma dilatação do tempo-espaço, ou vice-versa. Diminui a distância em quilômetros, aumenta a distância em saudade. Diminui a distância em saudade, aumenta a distância em tédio. Diminui a distância em espaço, aumenta a distância em preconceitos. Nem 170 milhões vezes 7 seriam capazes de desmentir este fato.

Em 1290, o rei da Inglaterra, Eduardo I, mandou construir uma cruz em memória de sua amada Leonor de Castilha (sua "chere-reine"). Hoje, o lugar desta encruzilhada é habitado pela estação Charing-Cross. A encruzilhada é o lugar em que distância e proximidade se tornam uma mesma pessoa. Charing-Cross representa o paradoxo do ganhador da Mega: pode comprar o transporte, mas não pode comprar nem a distância nem a proximidade

Quando me foi perguntado o que faria se ganhasse a Mega da Virada, respondi, depois de lutar durante 30 segundos para destravar meu cérebro... 

“Compraria um apartamento em Caruaru, um em Recife e outro em João Pessoa”.  Minhas compras entregaram minha alma de pobre numa bandeja de prata. Afinal, com 170 milhões eu poderia comprar Londres em francês, português, inglês e quíchua...

E, depois de comprar Londres, seria um senhor feudal, mas não conseguiria ser nem amigo do rei. Quem dirá rei...

Viajar muito, comprar moradas em lugares que não sejam os nossos... Independentemente das compras que façamos, mora em nosso sonho de ganhar a Mega da Virada um desejo de comprar um ingresso pra nossa própria fuga e um terreno para erguer nosso esconderijo. 

Merda de Londres! Quero mesmo é comprar a batcaverna. Mas tenho de comprá-la do Batman em pessoa! Melhor, comprarei o próprio Batman! Contudo, teria de ter cuidado para, no afã de comprar o impossível, não pagar o preço infame de escravizar os outros. Deste desejo sórdido não está imune a alma que anseia pela Mega da Virada.

Há ainda os desejos secretos, inconfessáveis, as mentiras que desejaríamos tornar verdade ao som do vil metal, das barras de ouro que compraríamos com 60, 110 ou 170 milhões. Sim, a primeira coisa a se fazer com a Mega da Virada é comprar barras de ouro, “que valem mais do que dinheiro”.

Mas há aqueles nobres, que ainda são capazes de se indignar com a 'Justiça' que pune os que, sem se dar conta, foram tragados pelos juros da conta de luz de 17 reais que não puderam pagar... Esta capacidade, sim, é uma mega virada. E valerá a pena ganhar a Mega da Virada para comprar a miserável capacidade de não mais se indignar?

Eu abro mão de todos os acúmulos da Mega, da Dupla, da Hiper, pelo amor do Nobre, que é capaz de se indignar seja em qual idioma for. Esse é meu desejo secreto de 2011.


P.S.: Posso mudar de ideia e ficar somente com um milhãozinho e comprar um apartamento em Londres com os rendimentos da Poupança? :D





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