28 de junho de 2011

Anacronismo e descorporalização da psiquê

Psiqué no templo do amor
Sir Edward John Poynter

Há alguns anos, o filósofo Renato Janine Ribeiro esteve presente no Encontro Interinstitucional de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco. Na ocasião, escoltado por risos dele mesmo e de algumas pessoas da plateia, afirmou que Althusser não teria mais lugar na "lista de comunicação" do pensamento acadêmico. Citá-lo seria, nas palavras de Ribeiro, incorrer no "crime" de anacronismo, visto Althusser, supostamente, pautar-se por um ultrapassado jargão marxista.

É  oportuno dizer que os conceitos, incluindo o de anacronismo, acendem uma vela para a emancipação e outra para a contra-emancipação. E fazem isto, tentando se equilibrar na corda do perigo-contradição.

A noção de anacronismo oferece o risco daquilo que Freud chama de corporalização da psique, referindo-se a valores que insistem em vagar como almas penadas num tempo em que não cabem mais. A corporalização da psique contraria a crença socrática de que o conhecimento conduz necessariamente à liberdade. Uma corporalização da psique implica a reprodução de uma visão de mundo, mesmo quando já há consciência da inadequação de tal visão ao contexto atual.

Por outro lado, o anacronismo pode enfrentar uma das maiores doenças do tempo: o tempo auto-centrado. Refiro-me à ilusão de que um determinado momento do tempo é auto-suficiente.

Injetar doses de anacronismo, desequilibrando a harmonia ilusória do eterno presente, é importante para que a busca pela clareza não seja ofuscada pela intolerância. Muitas vezes, desenvolvemos a tendência de equalizar verdade e atualidade. 

Mas, não é viável fazer da atualidade um pretexto para encobrir o fato de que o tempo presente é um campo minado por passados. Alguns dos quais representam utopias aguardando a chance que lhes foi roubada de florescer. Outros passados são distopias que, esperam ser totalmente ignoradas para, no futuro, pegar de surpresa os transeuntes desavisados. 

No terreno das ideologias,não há vulcões inativos. Eles precisam ser vigiados e tratados, como lembra o exemplo do príncipe de Exupérie.

A noção de psique corporalizada nos lembra que não há um presente imune ao passado . Neste sentido, o anacronismo pode, com sua força de estranhamento, revelar o coração contraditório do vulcão do tempo, que se oculta sob a tendência de fazer do presente uma armadilha inescapável e totalizante: quer seja pela via da homogeneização, quer seja pela via da complexidade.

Althusser é anacrônico. Mas ele,  em seu anacronismo, mapeia o campo minado do marxismo, que, até hoje, é ameaçado por duas versões comodistas: a que resume o conflito de classes ao aspecto econômico e a que interpreta o materialismo como a ausência do componente espiritual. 

O que Althusser faz é enfrentar uma tendência de corporalização psíquica do materialismo dialético. Refiro-me ao silenciamento da dialética dentro do marxismo, apesar de a maior parte dos teóricos fingir que é dialético o materialismo sem dialética que professam.

O modo como Althusser visita o anacronismo para descorporalizar a psique do materialismo dialético será discutido numa próxima postagem.

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