14 de julho de 2011

Após Meia-noite em Paris, todos são românticos

Amor sem fronteiras - Por Jana Magalhães

 O ponto de partida do filme Meia-noite em Paris - de Woody Allen - é este: tornar o tempo presente um ponto de partida. A história fala sobre o inconformismo que acomete a alma do contemporâneo. Inconformismo na acepção original do termo, a de não se sentir parte da forma cultural que tenta fazer de nós o prato do dia.

Filósofos padeceram da doença de ser contemporâneo. Só pra citar um exemplo, Hegel, um dos inventores da ideia de modernidade, chegou a idealizar os tempos modernos como aqueles que seriam capazes de reviver a era de ouro do comunismo primitivo e da polis grega.

O filme de Allen revela a ironia do ser contemporâneo. Nos esforçamos para sermos contemporâneos por meio do avanço da tecnologia, das leis, do conhecimento. E todo este esforço está impregnado do desejo de retornar ao paraíso, a um passado idealizado. Em Meia-noite em Paris, o maior avanço tecnológico é a possibilidade de voltar no tempo.

Na verdade, o filme de Allen inova ao mostrar um bipartidarismo do ser contemporâneo. Existem os contemporâneos presenteístas, adeptos do meio-dia, do sim: Sim, não há outro tempo melhor que este!

E há os contemporâneos nostálgicos ou românticos: partidários da meia-noite, do não: Não quero o presente, pois o melhor que está por vir está num tempo que passou! Nesta perspectiva, ser contemporâneo é esforçar-se para administrar o mal-estar de ser civilizado.

Ninguém é mais contemporâneo do que aquele que faz da arte de negar a principal refeição do dia. Nego, porque devo algo a um tempo ao qual não pertenço. E não posso pagar, mesmo pegando dinheiro emprestado no banco da nostalgia.

Mas o que acontece quando o partidário do não descobre que refugiar-se na era de ouro, no passado idealizado, significa roubar de si o prazer do risco e da surpresa que só a palavra futuro pode, mesmo que precariamente, sinalizar? Este questionamento é responsável pela virada de Meia-noite em Paris.

De alguma forma, o filme ainda aponta para uma terceira via do ser contemporâneo: a síntese. Ser contemporâneo, neste caso, é não se deixar prender pelo tempo, tentando encontrar no que foi, no que é e no que será o dom de deixar de estar alheio: dom de se estar verdadeiramente presente. Meia-noite em Paris desconcerta por fazer este estar presente algo tão simples quanto se permitir molhar pela chuva e se permitir ver que mesmo a chuva é capaz de trazer sol para o existir.


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