7 de setembro de 2014

O medo do depois: sobre os cinco sentidos e seu grito de dependência


Fonte da Imagem: Mercado Livre



Susan Sontag estava certa: mais temível do que a doença são as metáforas a ela relacionadas.

O câncer, por exemplo, é menos amedrontador do que a metáfora que tenta disfarçá-lo, chamando-o de C.A. assim como a Polícia é menos assustadora do que a metáfora Caveirão.

Um olhar, um toque, um beijo, um chero, uma sonata não causam medo. O que terrifica são os instrumentos de tortura e agrilhoamento que se costuma relacionar aos cinco sentidos.

O olhar de amizade que parece virar uma porta aberta pela qual se pode entrar e sair livremente. Esse sim causa medo. Tem-se medo da porta aberta e não do olhar. E olha que a porta aberta, que nas antigas canções, soava ternura, hoje parece soar tortura, tendo em vista que o senso comum passou a considerar a “Porta Fechada” como sinônimo de normalidade e jogou fora o cachorro com sorriso e tudo.

Ter o coração roubado ou flechado ou explodido parecia ser uma metáfora sutil, banal mesmo, uma dessas de amor. Nos dias de hoje em dia, em que o fantasma do Terrorismo perde sua consistência ectoplasmática e ganha carne, ossos e massa cinzenta, as inocentes metáforas que abrem este parágrafo passam a ser encaradas como sintomas mal quistos de colonização alheia.

Sintomas do medo crônico do “Depois”, numa época que, como bem observa Walter Benjamim, trocou o amor à primeira vista pelo amor à última vista.

Não se teme o depois por ele estar envolto com a sombra do fim. Ao contrário: teme-se o depois, por ele trazer a insegurança do recomeçar, o retorno à etapa mais complicada e menos exibível do edifício: a construção de alicerces.

Não é ouvir, tocar, olhar, cheirar ou lamber, em sentido literal, que assustam, mas sim suas metáforas ocultas, onde pulsa nossa mal resolvida época, que não sabe como resolver o conflito de fronteiras entre escravidão, compromisso e indiferença, sentimentos dos quais os cinco sentidos, e seus gritos de dependência, são extensões. 

O que se teme é que a tocha continue ardendo, com suas chamas que lambem a orla do manto da eternidade. O que se teme é a responsabilidade de conduzir a tocha até a mão do próximo corredor, antes que a bomba-relógio exploda.

31 de agosto de 2014

Quando Deus se ajoelhou ao meu pé-do-ouvido: o sentido da audição

Foto by Jassim Yahoo


Audição
Por Eltabu Kowski

Não creio que a Igreja me perdoará
Por escolher me confessar enquanto migro de Caruaru para Recife
Coloquei no MUTE meu rádio vagabundo, que custou R$?00 dólares
Desliguei o leme dos meus pensamentos
Minhas mãos continuavam no volante
Mas a alma delas tinha se teleportado para acariciar os azuis de quem amo

Pedi licença para falar em voz alta com Deus
Desabrigando Sua telepatia
Dois loucos se fizeram companhia durante 1 hora e meia taça de doçura represada
Com medo de que a lua fosse presa por tráfico de contramãos
Deus se ajoelhou ao pé do meu ouvido* e sussurrou muitos silêncios furtacor
Roubando-me a coragem de partir
E o medo de prosseguir


Quando me dei conta, Deus estava, pela septcentésima vez me ouvindo falar de ti

Pense de quantas encarnações tive de desviar para te encontrar nesta vida clandestina!
Quando você me disse “A gente se fala”, pensei:
Quem está mentindo? Os pássaros ou o Inverno que os obriga a partirem?
Se não foi mentira, joga fora o manto de invisibilidade
Se foi, me avisa quando teu olhar sincero avisar a tua risada que a graça da piada é finita

Se foi política, terei de esperar até o Terceiro Turno
Para que esse Noturno pare de tocar em meu corassãozinho errado e doído?
Não sou candidato, mas estou partido ao inteiro
E inda corro o risco de ser preso
Porque minhas digitais desmentem quem sou

E insistem em me confundir com essa tal de Saudade.


* E a penitência do meu pé-do-ouvido tem sido esperar que se cumpra a promessa de uma Árvore de Peras

24 de agosto de 2014

Poema do segundo sentido: a visão


Olho de rosa - Foto by Marcelo Lacerda


A visão é um sentido atípico
Fala sem som e sem palavra
Toca sem mãos e envolve sem abraço
Ouve sem tímpano, fere sem martelo, desequilibra sem labirinto
Pinta as mais sonoras explosões até mesmo na moldura do vácuo

Os olhos comem: um apetite cego
A visão só não consegue cheirar
Porque ficaria difícil para a microscopia desvendar o aroma intramolecular

A visão invade a privacidade do futuro e ilude o presente,
Fazendo-o crer que este exato minuto é soberano
Mas, apesar desse jeito de usurpadora, a visão ensina
Que nenhum sentido é autossuficiente
Ou capaz de exercer monopólio sobre o amor
Não existe amor feito só de visão, audição, olfato, paladar ou tato
Em parte o amor é todos os sentidos,
Em parte um sentido indefinível
Em parte é total cegueira, surdez, desgosto
E sempre uma demão de falta de tato
É a precognição que se esconde em todo perfume

Deixa de lado as metáforas cansadas que buscam fazer dos sentidos prisões
Olha-me e deixa-me te olhar sem que precisemos deixar de ser companheiros
Não tenha medo de que um Eu te amo me ancore à porta de entrada dos teus sonhos
Ou vista teus projetos de rua-sem-saída
É possível olhar com olhos de eternidade e depois seguir em frente como amigos em cores

Tornando desnecessário o Nunca Mais.

18 de agosto de 2014

Poema do primeiro sentido: tato



Fonte da Juventude
Foto de Karla Vidal


Tato
Por Cerevenise Stür


Quem gosta dos que sonham?
No meio deste bombardeio sem pipoco, 
Desta guerra glacial,
Quem há de suportar se ver um corpo a céu aberto
Que contempla os sonhadores refugiados?

Deus, dá-me uma beira de refúgio, de sonho
Mas, vence em mim o dom de fugir
Meu tato não achou vaga na hospedagem do toque
E meu olhar foi desabraçado por tuas redomas
E peço a Deus, assim mesmo (graças a Deus)
Que minha oração consiga se infiltrar
E, como uma espiã, cative em ti os olhos
Do Divino Espírito
E que a beleza de Nossa Senhora
Habite todas as estações do teu semblante

Sei que não são palavras
Quem nos estende a mão na travessia
Do precipício
E não é a poesia que
Garante um amanhã melhor que o outro

Nada garante o amanhã
Mas, prefiro ensinar minha esperança
A ter fé no amanhã
Por meio de gestos e palavras de amor
Do que ensinar meu amanhã a
Perder a fé na esperança
Por meio da guerra

Meus abraços e beijos: passagem só de ida
?
!

Amor, meu peito se abre...
Se hoje não pude te demonstrar
O quanto minha complexidade
Quer teu bem por excesso (como um inúmero)
E, por falta, como um grão de pósitron

Saiba que tu tens meu amor
Não só como prova, mas também como postulado
E como aporia e voltava
Meu bom dia, quer sonoro quer tácito,
Seja os pés da cruz onde todo mal que te quiser atingir
Rompa o casulo, crie asas e vire borboleta que se deixe chover
Sobre o mundo inteiro

Meu amor, vou ali dormir um pouco
Me acorde, de vez em quando, pro teu ser feliz

Que teu ser feliz não seja o peso da constância,
Da monotonia
Que seja o mergulho de uma brisa
No colo de um abismo onde
Quedas ou tropeços façam-se luz
E oportunidade
Metáforas desenhadas pelos anjos
Para dar face à contradição e

Disfarce ao amor, à alegria e à paz

14 de agosto de 2014

Poema detector de insubstituibilidade

Una rosa negra - Fonte da imagem: Unicamor.com


A Tonho e Mariinha, ao casal Campos e a todos os casais que se amam e amarão depois do depois

Insubstituível
Por Linav Koriander


Sem se dar conta, a luz, hoje, caminhou em marcha lenta
E carros cabisbaixos fecharam os olhos em prece
Tu és tão insubstituível, em cada gesto e contragesto
Que toda distância e ausência serão vencidas, fatalmente,
Pelo Reencontro
Pois o universo não conseguirá ficar muito tempo
Sem sorrir no teu ombro
Sem orar por teu sorriso

Valeu a pena e o passaredo
Encontrar em ti a insubstituibilidade
Que desenha o sabor do sal da terra
E acende o pavio da luz do mundo

E tomara que Deus permita logo que teu afago
Venha corrigir a miopia da distância,
A hipermetropia do vazio
E esta dor presbíope
Pois a impressão indelével do teu abraço caloroso
Justifica a espera da esperança cega
Que anseia por te rever
Depois que teu olor humano terminar
De driblar o nevoeiro da calejada invisibilidade
Que, inutilmente, tenta me separar de ti

Grande amor.
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