Crucifixion Fonte: Monastery Icons |
Foi durante a Revolução Francesa (1789), na Assembleia dos Estados
Gerais, que a divisão entre esquerda e direita foi aplicada pela primeira vez
com finalidade política. A nobreza sentada à direita do rei e o terceiro
estado, a plebe, sentada à esquerda.
Daí por diante, os termos direita e esquerda vêm sendo
utilizados para classificar posições políticas expressas por meio de ações e de
opiniões.
Recentemente, disputas ideológicas nas redes sociais têm
promovido uma estranha mistura entre posicionamento político e posicionamento
religioso, retomando a imagem bíblica segundo a qual à esquerda de Deus ficam
aqueles destinados à condenação: o joio a ser lançado ao fogo eterno. Já à direita, ficariam os condenados à vida eterna (calma, isto é só uma ironia, à moda de Mário Prata!).
A tal con-fusão entre política e religião corresponde outra con-fusão: entre conclusão e premissa.
Reza a “lenda” greco-latina que a conclusão deveria ser fruto do debate
onde o confronto entre argumentos, colocando à prova as premissas dos
debatedores, aponta para a conclusão.
Mas, nas redes sociais, onde o pseudo-debate tem sido a bola
da vez, os comentários aparecem como uma passarela onde desfilam premissas
surdas ao contra-argumento, como se fossem herdeiras dos mandamentos gravados
por Deus nas tábuas da Lei. Nas redes sociais, não falta quem alegue ser viúva de Moisés ou de algum profeta.
No debate sincero, as pessoas se permitem ouvir umas as
outras, com os ouvidos da mente e do coração, e duvidar de suas certezas, com o
coração e com a mente.
Li uma postagem no Facebook, falando sobre a intenção de
Jair Bolsonaro, caso eleito presidente, fazer do ator Alexandre Frota ministro
da cultura. Nessa postagem, um eleitor de Bolsonaro se posicionou contra a
referida intenção. Logo apareceu um comentador insinuando que o eleitor de
Bolsonaro seria a favor de exposições onde crianças fossem expostas à nudez (uma
referência a uma polêmica exposição em que uma criança tocou o corpo de um
modelo nu ).
Outros comentadores poderiam ir mais longe e dizer que
alguém contrário a Bolsonaro, mesmo que pontualmente, seria a favor da
pedofilia e, portanto, de esquerda, com base na premissa de que a esquerda é a
favor da dissolução da família.
Indo um pouco mais além, um último comentador poderia
concluir que a pessoa que se posicionou contra a intenção de Bolsonaro não é
cristã, por ser de esquerda, e, portanto, a favor da dissolução da família, da
libertinagem, da pedofilia, da homossexualidade e etcs nada cristãos.
Perceba-se que a argumentação, cujo papel é questionar as
premissas e oxigenar a reflexão, é substituída pela tortura asfixiante de uma
determinada posição. E os instrumentos de tortura passam a ser premissas que
acreditam ser conclusão quando, na verdade, são pressupostos que almejam o
status de dogma.
Assim, se uma pessoa questiona uma determinada opinião de
Bolsonaro, logo terá seu questionamento implicitamente classificado como
heresia e condenado à tortura, a ser açoitado por pressupostos dogmáticos
disfarçados de argumentação. E nessa “ágora” fascista, a fogueira das vaidades
antecede o julgamento e reduz a cinzas o direito ao contraditório.
Nesta semana santa, descobri, no Facebook, que Cristo é de
direita e é eleitor de Bolsonaro e quem questiona Bolsonaro é de esquerda e,
portanto, contra a Bíblia e contra Cristo.
Mas, não me preocupei, porque o próprio Cristo foi
considerado um anticristo por ter questionado se valia mais a pena guardar o
sábado do que fazer o bem.
Cristo era a favor da igualdade, sentava-se com os
considerados indignos e era a favor do desarmamento (“Aquele que vive pela
espada, pela espada morrerá”, disse Ele). Sendo assim, Cristo discorda de um
ponto central da plataforma de Bolsonaro. Por isso, seria ele de esquerda e,
portanto, não seria cristão?
Cristo morreu para que sua mensagem não fosse reduzida a
nenhuma plataforma política, mas, agora, a sua mensagem tem sido reduzida a
pasto que alimenta o gado comandado por doutrinadores que mal esperam pelo
momento de usurpar o lugar de Jesus à direita do Pai.
Fico pensando o que aconteceria se Cristo dissesse que não é
contra humanos que se beijam na boca: mesmo que sejam do mesmo sexo.
Se isto acontecesse, Cristo seria condenado a não poder mais
proferir bem-aventuranças? Seria a paz de Cristo considerada suspeita e jogada
na masmorra?
Se Bolsonaro for eleito, a cruz deixará de ter dois braços, sendo reduzida ao lado direito?
Se Cristo quisesse votar nulo, a Bíblia precisaria ser
reescrita ou simplesmente algum supremo iria impedi-lo de retornar no dia do
Juízo Final?
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