23 de junho de 2012

São João, Alan Turing e a castração simbólica


Alan Turing
Fonte da imagem: Transcultural Buddhism

Alan Turing estaria completando cem anos. Ele é considerado um dos pioneiros da automatização da lógica binária (formada por zeros e uns), isto é, da computação.  E foi vítima de um tipo de preconceito herdeiro dessa mesma lógica binária que, por sua vez, é herdeira de uma apropriação extremista do Cartesianismo, o qual pressupõe a verdade do mundo como a divisão entre o Sim e o Não sem tolerância aos nuances intermediários da ambivalência.

O cientista foi, a exemplo de Oscar Wilde e Verlaine, processado criminalmente por conta de sua homossexualidade, considerada ilegal na Inglaterra dos anos de 1950. 

Turing foi publicamente humilhado, sendo impedido de dar continuidade a seu trabalho como pesquisador. Ele foi também submetido a uma castração química. Recebeu altas dosagens de hormônio feminino, o que o fez adquirir seios.  Dedicou parte de sua vida ao auxílio de operações militares de espionagem, mas não teve direito à preservação da esfera privada de sua vida.

A castração química parece, hoje, um fantasma absurdo perdido na poeira do tempo. Porém, não se deve perder de vista a ameaça de um outro tipo de castração: a castração simbólica. Este tipo de castração não trabalha com hormônios, mas sim com atitudes que, igualmente, procuram inibir a energia vital e fazer nascer no indivíduo algum tipo de estigma silencioso que o impeça de, convivendo com os demais, manter sua vida produtiva.

A castração simbólica não opera com hormônios, mas, assim como estes, age de forma velada, por meio de gestos mudos produzidos pelas glândulas do desprezo, da intolerância e da própria tolerância: uma maneira de restringir a liberdade de ir e vir a guetos escriturados no cartório da “boa conduta”.

São João é fruto de uma ação divina que venceu a dupla castração da qual seus pais foram vítimas. João Batista era filho de Santa Isabel, uma mulher de idade avançada e, até então, considerada estéril.

Nesse período, uma mulher estéril estava, em certa medida, predestinada. Era considerada como uma pessoa amaldiçoada e socialmente inútil – por ser incapaz de gerar descendentes. Além disso, por não ter filhos, estaria potencialmente sujeita a uma viuvez solitária revestida do abandono e da miséria. Mas, a esterilidade de Isabel foi revertida e ela conseguiu desconcertar a soberba de uma sociedade acostumada a fazer da castração sinônimo de lógica e de destino.

Parte do potencial intelectual e vital de Turing foi desperdiçado com sua morte prematura aos 42 anos, após ter supostamente se suicidado, comendo metade de uma maçã na qual havia sido injetado cianeto. Em certa medida, a sociedade se comportou como uma terrível madrasta que lhe ofereceu a maçã envenenada e o medo de ter no outro um espelho.

Em 10 de setembro de 2009, após uma campanha  na internet, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown pediu, oficialmente, desculpas públicas, em nome do governo britânico, devido à maneira pela qual Turing foi tratado após a guerra.

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