13 de maio de 2012

A centésima postagem do Acedia: O amor de Anne Frank por sua mãe e o sol-milagre na aparição em Fátima



Marluce


O destino, por acaso, fez coincidir a centésima postagem do blog Acedia com o Dia das Mães e o acaso, por destino, fez o Dia das Mães coincidir com o dia de Nossa Senhora de Fátima.

Impôs-se, então, o desejo (ou pressão [ou dependência {ou fuga}]) de escrever uma postagem triplamente marcante e, consequentemente, sobreveio uma paralisia 3,2 vezes marcante, e, decorrente disso, vem-me a costumeira teimosia e um “ah, dane-se, cabra. Deixa de frescura!” aloja-se na ponta de minha pena e começo a escrever o que vocês estão (ou não) a ler.

O dia 12 de maio é dia do aniversãrio de Otto Frank, pai de Annelisse Maria Frank, autora de Het Achterhuis (Por trás da casa), nome dado à primeira edição da obra que se tornou popular com o título O diário de Anne Frank, escrito entre 1942 e 1944, ano em que Anne, com apenas 15 anos, morre em um campo de concentração. Durante três anos, Anne e sua família estiveram mergulhados (o verbo “mergulhar”, no período de perseguição aos judeus, passou a designar o esforço dos judeus de se manter ocultos aos nazistas).

Anne não poupava as palavras ao tentar extrair delas demonstração de afeto incondicional pelo pai. Já para exprimir o afeto por sua mãe, a adolescente não poupava silêncios e tentava amordaçar a mágoa que sentia, lançando-a nos porões de uma quase-indiferença. Ao falar do pai, Anne tendia ao mito do amor romântico. Ao falar da mãe, tendia ao mito da imparcialidade jornalística.

Mas era uma tendência, pois Anne parecia não ser uma pessoa que se rende a mitos, nem mesmo ao mito da verdade. E, por isso, em seu diário, as pessoas não são condenadas a penas capitais, a exemplo da perfeição e da imperfeição.  É isto que faz com que Anne fale sobre os desprezos que sente por sua mãe, mas tenha coragem de, mais adiante, ver que o desprezo é, como a maioria dos sentimentos radicalizados, a falta de coragem de encarar os mal-entendidos.

E Anne chega a descobrir em sua mãe um tipo diferente de amor, que não é só o arroubo e as luzes dos palcos. É também a paciência e a perseverança de organizar a bagunça dos bastidores.

Em uma passagem de seu diário, Anne descobre um valor que nunca havia percebido na natureza. A luz do sol e a da lua que, para ela, eram revestidas de banalidade quotidiana, passam a guardar um tom de milagre. Isso diante dos longos períodos que passava escondida sem poder ver a luz natural.

Em 1917, na cidade portuguesa de Fátima, uma multidão testemunhou o milagre decorrente da aparição de Nossa Senhora. As pessoas não viram Maria, mas relataram que durante a aparição o sol tornou-se outra pessoa, dotado de um brilho incomparável. Mas, o sentido maior dessa aparição talvez não tenha sido promover curas e milagres. Este brilho excepcional do sol foi uma denúncia antecipada da privação de luz a ser sofrida pelas vítimas da 2ª Guerra Mundial. Eis aí uma explicação para o fato de Maria ter escolhido fazer sua aparição em pleno decorrer da 1ª Guerra.

A luz que a Guerra lhe roubou revestiu-se para Anne Frank da aura de milagre. O brilho milagroso do sol, em Fátima, eram lágrimas de Maria pelos filhos que, diante das perseguições, têm roubado o direito de ver a luz.

"Anne, é você mesma falando de ódio? Ah, Anne, como pôde?”. Estas aspas falam sobre o momento em que Anne teve coragem de revisitar o desprezo que acreditava sentir pela mãe e descobrir o amor que brilha quando silencia a ribalta.  

Sou ambicioso e quero tentar dedicar a minhas mães o amor na ribalta e por trás dela: o sol natural e o sol do milagre. Não quero nada, n’est pas? 

A seguir, dois trechos do diário, em que Anne Frank fala sobre sua mãe e uma canção que um filho fez para sua mãe Marluce.



Sexta-feira, 2 de Abril de 1943

Querida Kitty:
Mais um pecado para a minha lista. Ontem estava à
espera que o pai, como de costume, viesse para rezar
comigo e para me dizer boa-noite. Mas veio a mãe. Sentou-se
na minha cama e perguntou, modesta e hesitante :
-Anne, o pai ainda não pode vir. Vamos rezar as duas.
-Não, mãe-respondi.
A mãe levantou-se, ficou parada ao lado da minha
cama. Depois dirigiu-se devagarinho para a porta. De
repente virou-se e, desfigurada, disse :
-Não estou zangada, Anne. O amor não é coisa que
se possa pedir a alguém.
Corriam-lhe as lágrimas pela cara abaixo.
Fiquei muito quieta e senti que fui má, por tê-la
afastado tão brutalmente, mas não podia responder de
outra maneira. Não sou capaz de fingir e de rezar com ela
contra a minha vontade. Palavra que não sou capaz.
Tenho pena da mãe, muita pena até, pois compreendi,
pela primeira vez, que a minha atitude não lhe é indiferente.
Li a dor na sua cara, quando me disse que o amor
não era coisa que se pudesse pedir a alguém. É duro dizer
a verdade. Mas a verdade é que ela me afastou de si.
Foi com as suas observações pouco delicadas e as suas
gracinhas sobre coisas que para mim são muito sérias.
Assim como em mim tudo se constrange quando ela é
dura, também agora se constrangeu o seu coração, quando
compreendeu que entre nós se tinha extinguido o amor.
Chorou durante toda a noite, quase não dormiu. O pai
nem olha para mim, e quando o faz leio-lhe a acusação
nos olhos : "Como foste capaz de ser tão má para tua mãe?
Como pudeste fazê-la sofrer tanto?"
Estão à espera que peça desculpa. Mas eu não posso
pedir desculpa, pois só disse o que é verdade, e mais cedo
ou mais tarde a mãe ficava a sabê-lo. Parece-me que já
não me importo tanto com as lágrimas da mãe e o olhar
do pai. Não, já não me importo. Pela primeira vez, os
dois se aperceberam do que eu sinto continuamente. Sim,
posso ter pena da mãe, mas só ela própria deve procurar
reencontrar-me. Quanto a mim continuarei calada e fria
e nunca terei medo da verdade. É sempre melhor não
adiar o que tem de se dizer.

Tua Anne




7 de novembro de 1942

E, no entanto, a maneira de ser da mãe
pesa-me no coração. Por vezes não consigo dominar-me,
e faço-lhe ver o seu desprezo, ironia e dureza. Pois, decerto,
a culpa não será sempre minha, não é verdade?
Sou em tudo o contrário da mãe e, por isso, é inevitável
que nos choquemos. Não estou a criticar o seu carácter,
pois isso não me compete. Vejo-a apenas como minha mãe.
E ela não é para mim a mãe que idealizei. Parece que tenho
de ser eu própria a minha mãe. Desprendi-me deles,
sigo o meu próprio caminho. Quem sabe aonde chegarei
um dia? Na minha imaginação vejo o ideal de mulher
e de mãe, mas naquela a que tenho de dar o nome de
mãe nada disso encontro.
Proponho-me constantemente não reparar nos seus
defeitos, ver sòmente as suas qualidades e desenvolver
em mim o que nela procuro. Mas não é fácil, e o pior é
que nem o pai nem a mãe querem ver o que me falta
e é isto que lhes tomo a mal. Será possível que haja pais
capazes de contentarem inteiramente os filhos?
Por vezes penso que Deus quer pôr-me à prova...



Sábado, 13 de Maio de 1944

Querida Kitty :
Ontem, o aniversário do pai coincidiu com os seus
dezanove anos de casado. A mulher-a-dias não apareceu
lá em baixo no escritório, e o Sol brilhava como ainda
não tinha brilhado neste ano. O castanheiro está coberto
de flores e acho-o ainda mais belo do que no ano passado.
O Koophuis deu ao pai a biografia de Lineu, o Kraler
um livro sobre História Natural, e o Dussel Amsterdam
e Water; os van Daan deram um cesto tão estupendamente
enfeitado que nem um artista o faria melhor, contendo
três ovos, uma garrafa de cerveja, um frasco de
yoghurt e uma gravata verde. O nosso frasco de compota
quase desaparecia ao lado daquilo. As rosas que lhe ofereci
cheiravam muito bem mas os cravos da Miep e da Elli
não têm cheiro nenhum, embora sejam lindíssimos. O pai
não se pode queixar. Vieram cinquenta pastéis, que coisa
maravilhosa! O pai, por sua vez, ofereceu doce e uma
garrafa aos senhores e "yoghurt" às senhoras. Foi uma festa
em cheio!

Tua Anne


Tema de Marluce


5 comentários:

  1. Olá, cheguei ao seu blog procurando uma imagem do Charlie Brawn, e fiquei por aqui. Estou lendo aos poucos. Gostei da sua forma poética, despida de preceitos e preconceitos de escrever... acho que agora a ex amiga deve estar à cortar os pulsos. rsrs

    http://paraquemvier.blogspot.com.br/

    bjs

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  2. Somente pessoas de coração aberto pode decifrar o amor de Anne por sua mãe...

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    1. Keila, é com grande alegria que meu coração agradece por palavras deste tipo, que me ajudam a ir deixando para trás o comentário de minha ex-amiga. Abração! :)

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  3. É incrível tua sensibilidade, fico mais reflexiva a cada post que eu leio :)

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    Respostas
    1. Essas moças bonitas que só com 21 aninhos são mais adultas que o marmanjo que escreve nesse blog. Que puxa, heheh ;)

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