28 de março de 2017

Porque demonstrar é preciso



Foto: Karla Vidal


Ter medo de demonstrar não é nada estranho
Se pensarmos que dentro da demonstração
Moram anjos, mas também monstros

Demonstrar implica fazer o tempo parar na frente de todo mundo
Eis aí a verdadeira nudez: fazer o tempo parar
No tempo corrido, é comum nos sentirmos comuns
E daí pra nos sentirmos feios e até desnecessários é um pulo

Mas, uma demonstração de amor pode rasgar esse hábito de feiúra e estranheza
E nos fazer sentir bonitos, desejados, ansiados
É meio um bocado constrangedor se sentir lindo quando a roupa do sentir-se feio
Parece nos cair melhor

Nunca vou conseguir demonstrar tudo o que quero
É muito monstro que tenho de vencer em mim mesmo
Muito pouco tempo pra converter em poesia
Cada novo detalhe encantador que encontro em ti
Presencial ou telepaticamente

Queria pedir às segundas e quartas que ajudem meu anjo a vir
Pra que eu possa ter matéria-prima pra minhas demonstrações
Que só ele as percebe

Demonstrar o que sinto
Em alto e bom sonho
Por meio de alto-calantes
É uma forma de desmorrer
De ajudar minha fé a acreditar
E adiantar o relógio da ressurreição
Porque toda vez que você chega
O tempo incerto se disfarça de hora exata
E minha exaustão vira festa

Desde sempre,
Você já é bem-vindo
Não há nada a ser provado
E a demonstração não precisa fazer sentido
Rimar, ou ser coerente
Basta ser rio ou mar

Receba meu carinho hesitante, alijado, tartamudo
Meus monstros mais doces

Ajuda-os a ninar

24 de março de 2017

Sobre o zap e a arte de tomar a iniciativa



Foto: Karla Vidal


Zap

O primeiro zap sempre quem manda sou eu
Nunca sou eu a primeira opção de carona
Sexta à noite, você prefere deixar pra me ver sábado de manhã
E tua vontade de me beijar só tem tido coragem de ser um aperto de mão
(mas, de vez em quando, ainda bem, que um abraço desmente essa estatística cruel)

Quero que cuides de mim, ser cortejado e experimentar como é ser visitado por teu zap e depois por teu toque
Pois não pretendo que nossa ligação caia em nenhuma caixa postal
Não consigo enjoar de você porque o apaixonar-se por ti ensina a Cupido,
Toda vez que te revejo, um novo detalhe de tai sabaki

Voltei no tempo pra mostrar a quem te traiu o anjo lindo que ela desperdiçou
E pra te convidar a dançar quadrilha comigo no quarto escuro da adolescência

Não é meu objetivo te monopolizar,
Mas quero te pedir que você queira precisar ficar uma noite no meu apartamento
Que você precise me ajudar a trocar a luz
Acendendo o luar dentro do meu quarto

Inventa uma desculpa pra se convidar pra minha cama
Que eu acho uma passagem secreta nos lençóis para mergulhar de cabeça no teu abraço sonolento
Nessa hora, vou querer que seu corpo conte ao meu as cenas  censuradas de Californication

A rosa dos ventos apontava na direção Norte
Quando te encontrei de uniforme, pela primeira vez,
Meu coração, infrator nato
Não se acanhou de fazer estacionamento proibido
No teu sorriso de bom combatente
E só queria te pedir que você substituísse minha infração gravíssima

Por uma advertência: “Te advirto de que vou cometer a infração de te beijar na mão e na contramão com multiplicador zen”

Eram 2h2? quando te vi e iniciei um interrogatório,  perguntando a Deus se ele era presente
No cenário do dia em que conheci você. 

Ele me confessou que se fez presente fazendo de você um presente pra mim

Aproveitei e pedi que na radiola do teu pensamento sempre rolasse uma música de fazer feliz
Pra ajudar a enfrentar o calor e a dureza de permanecer de pé o tempo inteiro

22 de março de 2017

Arrumando o depois da festa para a chegada do outono

tanto freddo..ma ne è valsa la pena

Photo credit: vale ♡ via Visualhunt.com / CC BY


Outono

Faz menos de uma semana que te vi
Mas, minha saudade está algemada pela liberdade de querer te rever

Iria sentado no teu colo a viagem inteira
A menos que você preferisse cuidar de mim
Até eu poder acordar me sentindo aceito ao invés de tolerado

Vou te visitar no zap
Te mandar um boleto sem querer
E achar um pretexto para ser eleito rei dos enganos

Como primeiro decreto, ordeno que minha cabeça descanse
No teu aperreio até ele evaporar
e que, se você for dançar com outra,
que teu abraço exausto fique guardado pra mim

Porque não me é permitido te trair
Ou te desejar mal
Embora você não tenha querido saber nada a meu respeito

Não guarde nossa valsa pra outra
Porque se isso acontecer, você me perderá pra sempre
Ou terá de criar um atalho para
Nos encontrarmos onde o prazo de validade do pra sempre termina

Não posso evitar que você seja, pra mim,
A festa dentro da festa
O sonho dentro da vigília
O beijo dentro do abraço

15 de março de 2017

Antídoto para o assédio e para o despotismo



Foto: Karla Vidal



Lembrar-me de quem amo me traz força e doçura suficientes para enfrentar a opressão de quem pensa estar a altura dos deuses

O amor nos dá mais poder do que quem tem poder jamais poderá supor

Altares não são mais necessários depois que se chega à idade de Cristo

Não é na anulação do outro que descubro com o que o respeito parece

Prefiro que o respeito se pareça com a noite em que poderei sentir os cabelos da minha costeleta suarem na sauna do teu peito

Teu zap cicatriza a partitura dos meus corações: o do corpo, o da mente e o do espírito

Sou mais sereno contigo e minha mão toca a tua desmentindo as léguas submarinas

E as distâncias interplanetárias

Estou rezando para que voltes para perto e para que teu trabalho seja o mais confortável possível

Ou até para que você se mude se o teu ser feliz precisar disso para brotar

Quem sou eu para monopolizar tua carícia quando há tantos desertos no mundo precisando de tuas técnicas de jardinagem?

E tantas músicas com saudade de teus passos de dança

Mas, devo confessar que me assusta deveras a ideia de pensar em tua bochecha fazendo suar outra que não seja a minha

Ou teu beijo visitando outra nuca em vez de preferir a minha sempre

Depois de escrever estas palavras pra ti, me sinto mais forte pra amanhã enfrentar a classe dominante

Agradeço a Deus por você ter acampado na minha inspiração

8 de março de 2017

O Dia Internacional da Mulher e o combate de Malala Yousafzay à sub-existência


Fonte da imagem: Agência Ecclesia


Em 2014, a paquistanesa Malala Yousafzay ganhou o prêmio Nobel da paz. Sua luta tem sido pela garantia do acesso de todas as crianças ao ensino e à leitura.

Em seu discurso, na cerimônia de recebimento do Nobel, Malala lembrou que quase 70 milhões de meninas não têm acesso à escola.

Na mesma ocasião, a mais jovem ganhadora do Prêmio (17 anos de idade), indagava-se por que os países são chamados de poderosos criando guerras, mas são fracos para alcançar a paz e por que é mais fácil dar armas do que dar livros.

Vítima de um atentado à bala, em 2012, a então adolescente sobreviveu e sobre o assunto afirmou que tinha duas opções: ficar em silêncio e esperar que a matassem ou falar e depois deixar que a matassem. Ela escolheu a segunda.

O que os talibãs que a tentaram assassinar não perceberam é que Malala age conforme o principal preceito do Corão: a busca da verdade. E que não há como perseguir a verdade sem ter acesso à educação, sem deixar que a mente crie asas.

A paquistanesa também notou que a defesa dos direitos das mulheres implica a defesa do direito de existir em corpo, mente, espírito e dignidade. Trata-se de um direito de todo ser humano.

É uma luta contra o impulso de encarar como normalidade a criação de espaços em que as pessoas sub-existem, não só no sentido de não terem alimento, roupa e moradia, mas sim no sentido de criar símbolos e rotinas que dividem os seres humanos em categorias pautadas pela subtração de direitos, incluindo o direito de falar, beijar, abraçar, conviver.

Ou ainda a criação de grotescas categorias híbridas onde uma máscara de acesso ao direito esconde a sonegação de outros, como ocorre com tantas pessoas que silenciam vocações e afetos para poder ser “aceitas” e “respeitadas” no círculo de trabalho, de estudo e na Igreja.

A noção de que a luta pelos direitos da mulher representa a luta pelo direito de qualquer ser humano a sair da zona de sub-existência é sumarizada por uma frase proferida por Malala em Oslo, em 2014: “Nós não podemos progredir quando metade de nós é deixada pra trás”.

No que diz respeito ao contexto brasileiro, onde recrudesce uma pífia ideologia machista-messiânica, uma frase que deixo registrada em celebração ao Dia Internacional da Mulher é: Continuem sendo machos (as) e eu seguirei sendo humano ou, simplesmente sendo.

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