Acedia - Por ~jvg246, do blog DevianART |
Fraqueza nos joelhos, insônia, dores nos membros, mal-estar generalizado. Se só forem estes os sintomas, você pode estar com dengue ou com a doença que os médicos incompetentes mais admiram: a virose.
Falta de atenção, tédio, insatisfação com a vida. Isto pode significar, dentre outras coisas, que a pessoa está apaixonada por alguém que não dá a mínima para ela.
Porém, se aos sintomas dos dois parágrafos acima se somam a negação do movimento, do crescimento emocional, da pro-atividade. E se esta soma é “motivada” por uma preguiça que o indíviduo sente não somente no corpo, mas na alma: então, provavelmente a pessoa está sendo vitimada pela acídia ou acedia.
A acedia, no período medieval era listada entre os sete pecados capitais (hoje em dia, é mais comum falar-se na preguiça). Ela era vista como um mal que afligia particularmente as pessoas de vida solitária e reclusa como os monges.
A solidão, contudo, não é o elemento principal da acedia. Ela tem origem, segundo São Tomás de Aquino, quando o espírito humano deixa de crer na própria fé, quando ele, nas palavras da psicóloga Silvana Martani, sente-se incapacitado de cumprir seus objetivos e realizar seus sonhos.
O texto em que Silvana Martani aborda o tema da acídia está disponível no site administradores.com.br (http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/acidia-setimo-pecado-capital/7345/).
O título Acedia
O título deste blog pode gerar algumas conclusões erradas. Geralmente os títulos são encarados como representações de verdades das quais o coração do escritor seria admirador ou devedor. No caso do blog Acedia, ocorre algo diferente. O título é uma ironia. Na verdade, trata-se de um combate à acedia.
Lembram-se de um filme, protagonizado por Júlia Roberts, chamado Dormindo com o Inimigo? O blog poderia muito bem se chamar Dormindo com a acedia. Portanto o título Acedia é uma maneira de expor a nudez de um inimigo e não de homenageá-lo.
Não se pode esperar que toda forma de enfrentar a acedia resuma-se a publicar no orkut sorrisos photoshopados e depoimentos espelhando um otimismo insípido, como se o mundo fossem só as cores de uma felicidade plena que, na vera, não passa de uma cobrança cruel e de um quadro incolor.
Lembro uma passagem da II carta aos Coríntios,capítulo 7, versículo 10, em que São Paulo fala sobre dois tipos de tristeza:
"Pois a tristeza segundo Deus produz o arrependimento e, assim, leva à salvação. E isso ninguém lamentará! Mas a tristeza segundo o mundo produz a morte".
O pensamento de Paulo é importante para alertar que a tristeza faz parte de nossa condição de seres limitados, que devem reconhecer que precisam do arrependimento, precisam enfrentar o fato de que serão vítimas de frustrações. Isto nada mais é do que o reconhecimento de que fazemos escolhas, mas não temos total controle sobre os resultados. Enfim, não somos onipotentes.
Neste sentido, o título do blog refere-se ao enfrentamento da tentação que temos de achar que é simples e óbvio categorizar as pessoas entre felizes e infelizes. E, assim, têm início as intermináveis guerras orkutescas pra ver quem é mais feliz ou pra ver quem é mais melancólico. Desta forma, caricaturas da felicidade e da tristeza, carregadas de efeitos especiais cada vez mais sofisticados, disfarçam o desejo dos internautas de pertencer ao Movimento Eu Sou Cultural (Mesc).
Quando este blog se propõe a desbravar o potencial crítico e artístico da tristeza, não está fazendo apologia à depressão. Até porque depressão não é acedia. Depressão é um estado psicossomático, sujeito à terapia e ao auxílio medicamentoso. A acedia revela-se em sinais somáticos, mas seu fundamento é espiritual. Ou seja, ao falar sobre a acedia, destaca-se o diálogo entre as dimensões natural e sobrenatural, entre fenômeno e númeno.
“Portanto, se eu vos escrevi, não foi por causa do ofensor, nem por causa do ofendido. Foi para provocar entre vós uma clara manifestação da vossa solicitude por nós, diante de Deus. Isso nos consolou” (II Coríntios, 7, 12-13).
Logo, a solicitude está longe de ser altruísmo romantizado. Pauta-se no reconhecimento de que mesmo quando aceitamos os reinos do mundo inteiro que nossos demônios nos oferecem, não deixamos de ser, a exemplo do Cristo tentado, peregrinos famintos vagando pelo deserto e à beira de abismos. Mas, mesmo assim, Cristo teve coragem de optar por não duvidar da fé.
As manifestações culturais rotuladas de depressivas ou melancólicas no mais das vezes nos mostram a necessidade de estarmos atentos para a cilada que os discursos sobre a felicidade e sobre a tristeza podem nos armar.
Temos regurgitado no Hiperurânio inodoros modelos de felicidade e, como títeres de nós mesmos, deixamo-nos guiar por eles. A felicidade passa a ser entendida como acordo tácito com tudo a nossa volta. Desfigura-se a noção de comunhão universal com o cosmos, transformando-a em pacto inconteste com o repertório das instituições (mercado, Igreja, universidades e as demais).
Não sei definir o que é a felicidade ou a tristeza verdadeira, mas sei que é possível refletir sobre os limites que os discursos (escritos, imagéticos e de outras naturezas) acerca da felicidade e da tristeza apresentam. Este é um dos objetivos desse blog.
Portanto, não se pode falar em apologia à acedia. Como explica Walter Benjamin, a acedia se funda na empatia para com os vencedores. E este blog cultiva simpatia pelos vencidos.
Antes de outro mal entendido, outra explicação. Não queremos louvar a derrota. Ao falarmos de simpatia pelos vencidos, estamos nos referindo àqueles que, por força da ideia de vitória cultivada por detentores de poder e status, são rotulados de fracassados ou, na “melhor” tradição americana, de losers. Em sendo assim, os vencidos que admiramos não são nem derrotados nem vencedores: são um e outro: entrelugares (usarei essa palavra, por enquanto e por não achar outra melhor no momento).
E este entrelugar será interpretado com acedia pelos que acham que a felicidade e a tristeza são o trem único da existência, o último cavalo selado, a última coca diet do deserto. Para outros, espero eu, ser um entrelugar pode significar a percepção de que felicidade e tristeza não se esgotam em nenhuma receita ou fórmula.
Tudo em palavras parece fácil. Então não nos guiemos pela aparência das palavras. Discutamos, dialoguemos com elas e as silenciemos e as estilhacemos com a vida.
Creio que um começo para o enfrentamento da acedia é não encarar o desespero e a fé como água e óleo. Se, no desespero, acreditamos que não somos dignos de ter fé, a acedia se instala de com força. Mesmo que a fraqueza nos joelhos, a insônia e o mal-estar digam o contrário, somos dignos de ter fé, mesmo quando estamos desesperados.
Comentei! :D
ResponderExcluirCláudio,
ResponderExcluirDescobri seu blog graças ao comentário que postou no meu, a respeito da secção Sessão Nostalgia,em homenagem à Miss Olaria 1967, Vanda Hingel.
Você está de parabéns pelo Acedia. Gostei tanto que passei a ser um dos seguidores.
Um abraço.
Daslan Melo Lima
Editor de PASSARELA CULTURAL
Timbaúba-PE